JORNAL GUARULHOS HOJE NA EDIÇÃO DESSA SEXTA FEIRA - MINHA COLUNA

CHICOTADA NA NOSSA CIVILIDADE
Naquele tempo, num comércio do subúrbio paulistano, onde os mercadores exibiam seus produtos, exibiam por muito menos, seus guardiões com sua sede por “justiçar” qualquer ato daquele gueto, ainda que fosse o extermínio dos indigentes ou uma boa lição às mercadorias baratas de pele escura que lhes dessem problemas... Pele da cor de chocolate merecia chibatadas e açoites, para conhecer a masmorra ou urrar no tronco, provando seu amargo, pra ver se aprendiam a lição. Os guardiões dos mercadores amarraram os pés e mãos daquele negro franzino, o amordaçou e não hesitaram em vilipendiar o menino com açoites e ameaças.
Essa poderia ser a triste descrição de uma cena odiosa do passado do Brasil, do qual, deveríamos nos envergonhar e lutar diariamente para não mais se repetir; porém, trata-se de um tempo em que torturador é ídolo, em que cristão faz arminha com a mão, mitologia é versão oficial de poder, quem deveria ser guardião dos ritos republicanos barbariza as conquistas democráticas e plano de governo é lenda urbana. É desse tempo que estou falando; o AGORA, que muitos arrastam insistentemente estigmas do passado e bebem o sangue das chagas do racismo velado, explícito ou instituído.
Não! Não há NADA que justifique a tortura!
Não consegui assistir até o final as imagens do vídeo em que o jovem de 17 anos é covardemente torturado. Existem cenas que nos corroem por dentro. Do mesmo modo também não tive estômago para ler alguns comentários na internet de “cidadãos” defendendo o ato de crueldade contra o jovem. A dor dele dói em todos que tenham um mínimo de dignidade humana.
Antes que qualquer justiceiro contemporâneo brade o canto que ecoa forte nos últimos anos “bandido bom é bandido morto” é bom dizer que, primeiramente, morto é seu bom senso, em seguida vale refletir que o ato infracional cometido pelo menor torturado foi o roubo de barras de chocolate e em nenhum momento esse remetente que vos escreve está defendendo a subtração do alimento, mas ele e todo o seu contexto apresentado, dizem muito sobre a injustiça social do nosso país.  
Justiça com as próprias mãos é um conceito medieval que promove barbárie e poder paralelo; nos distancia vertiginosamente de sermos uma sociedade civilizada. Ninguém merece ser torturado; mas muitos internautas celebraram a tortura no garoto negro da periferia de São Paulo;
Se o vídeo criminoso não tivesse viralizado nas redes sociais será que o caso seria investigado? Somente um mês após o ocorrido um inquérito foi aberto. Há uma cumplicidade de muita gente nesse fato, além da autoria dos seguranças, a cumplicidade dos funcionários do supermercado que não denunciaram, do gerente que não impediu que isso acontecesse, do dono do estabelecimento que também foi omisso e claro, de cada ser humano que é abominavelmente capaz de aplaudir um ato bárbaro desse.
Desde 1997 tortura é tipificado no código penal brasileiro e prevê pena de 2 a 8 anos de reclusão.
À esses psicopatas, indignos, adeptos da crueldade e tortura como medida de controle, numa justiça paralela, não desejo reciprocidade, pois não posso oferecer aquilo que não tenho em mim, porque empatia não se mistura com ódio social; não se habita o sadismo em quem defende os direitos do humano, direitos seja de quem for, seja o ladrão de chocolates e até mesmo dos vilões da civilidade; à eles eu desejo tão rigorosamente a lei.
Tiago Ortaet

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