A MAIOR E MELHOR HOMENAGEM QUE EU PUDE FAZER À MINHA MÃE FOI EM VIDA
VERBO
CUIDAR
Como traduzir em palavras a relação de um filho com seus
pais? Por mais mágico que seja a literatura, algumas situação ultrapassam o que
pode ser descrito... Nem tudo são flores, mas são sim, os momentos-flores, os
mais essenciais, que desabrocham no nosso sentimento de filho que zela pela
passagem de quem nos trouxe à esse mundo, à quem nos concebeu a vida; o maior
dos presentes.
O presente mais caro pra uma mãe ou um pai, não tem
preço; mas é de um valor inestimável; está nas coisas mais simples, um café da
tarde inesperado, uma surpresa num almoço de domingo, um caminhar num parque
lembrando das fases mais difíceis, um telefonema só pra dizer “oi” ou um colo;
mesmo quando já não cabemos mais naquele colo que um dia nos fez dormir.
Refletir sobre a relação com nossos pais é tarefa inevitavelmente
de amores e dores... A estrada da vida vai se afunilando e chega um momento que
já não recebemos mais seus conselhos, já não podemos mais leva-los onde a gente
quer... Dói demais vê-la perder as forças dia após dia, corrói por dentro e
chega à raiz da alma deixar de ouvir sua voz dizendo “leva a blusa por que vai
esfriar” ou aquela bronca que a gente sabe que merece... Dilacera a nossa razão
e se faz de emoção a gente se juntar diante de um corpo já tão frágil, em
oração, pra dizer que esse elo não tem fim, mesmo após a morte.
Poetas do mundo inteiro já escreveram essa relação,
compositores daqui e de lá já envolveram suas melodias nessa essência tão
única; quantos livros já foram escritos contando trajetórias de amor
incondicional entre pais e filhos?
Incontáveis versos romantizam o sumo desse
elo; o fato é que você pode até não vir a ser pai ou mãe nessa vida, mas todo mundo
é filho; e estar diante desse olhar divino, que reluz amor no seu mais alto
sentido é sem dúvida estar conectado com a razão de nossa existência.
Há poucos dias atrás eu me vi no brilho dos olhos dela
pela última vez. Só quem já viveu esse abismo que se abre diante de nossos pés
é capaz de entender o tamanho da dor.
Um sábado gelado, em que eu tentava
aproveitar aqueles últimos minutos beijando sua face, tentando aquecer seus pés
e mãos com bolsas de água quente, cumprindo aquela promessa que fiz aos seis
anos de idade, quando disse bem baixinho em seus ouvidos “vou cuidar da senhora
pra sempre”. Foram mais de 6 anos em que eu abdiquei de muitas coisas por que
tinha diante dos meus olhos meu maior compromisso: Cuidar dela! E nessa jornada
foram muitas dificuldades, muitos momentos de desespero e encorajamentos entre
eu e meus irmãos, meus companheiros que soubemos honrar o legado de nossos
pais, com amor e zelo.
Minha mãe também foi pai por mais de 3 décadas em minha
vida; seu amor instintivo me protegeu de muitos perigos, mas do meu maior medo,
o medo de um dia não tê-la mais do meu lado, nem a voracidade materna foi capaz
de proteger; assim é a vida, somos tragados com força para o destino...
Ela
partiu, num silêncio profundo que fez naquele leito de morte; mas não sem antes
eu ter tido uma longa conversa no dia anterior. Sua lucidez de amor pelos
filhos nem o Alzhaimer foi capaz de apagar.
A nordestina mais amada por mim, foi
cúmplice de minha arte durante toda sua vida; obrigado meu amor por me permitir
ser quem eu sou, por tolerar minhas pinturas nas paredes de casa, por aceitar
toda uma trupe de adolescentes ensaiando no quintal, obrigado por permitir o
som no último volume e obrigado também por me proibir de fazer algumas coisas,
que só você como a mãe que foi, conseguia ver o risco que eu corria.
Me lembro de uma situação, na década de 2000, em que ela
levou debaixo do braço, para uma celebração religiosa, um exemplar de um jornal
que havia publicado um de meus artigos sobre educação, na saída da missa ela
parava algumas amigas e mostrava, toda orgulhosa, o jornal dizendo “olha só é
meu filho que escreveu nesse jornal”.
Hoje, eu pai de dois anjos, entendo
melhor essa sensação de nos ver nos nossos filhos. Mamãe estou certo de nosso
reencontro; mas até lá, vou cuidar aqui, do exemplo que a senhora me deixou:
cuidar mais das pessoas do que das coisas.
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