O pensamento libertário do mito AUGUSTO BOAL

Augusto Boal prega 'Teatro Legislativo'
ERIKA SALLUM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

As barreiras sempre foram inimigas de Augusto Boal, que está lançando o livro "Teatro Legislativo". Em 1971, o dramaturgo e diretor revolucionou os palcos brasileiros ao criar o Teatro do Oprimido, que, entre suas teorias, pregava a destruição das divisões que separam ator e espectador, classe dominante e dominada.
Como vereador pelo PT do Rio, mergulhou fundo nesses ideais, fazendo da arte teatral uma forma de atuação política.
Durante oficinas culturais que promovia junto a comunidade de negros, mulheres, homossexuais etc., Boal foi descobrindo as necessidades da população e transformando-as em projetos de lei.
Essas experiências são contadas no livro "Teatro Legislativo", editado pela Civilização Brasileira.
O termo é uma extensão do Teatro do Oprimido, em que o espectador se transforma em ator: agora, o cidadão se transforma em legislador.
"Em vez de eu ficar trancado em meu gabinete, a população me diz quais leis devo fazer. Uso o teatro como mediação", disse Boal, em entrevista à Folha, por telefone.
Por meio de jogos teatrais com um grupo de cegos, ele descobriu, por exemplo, que era preciso construir plataformas nas bases dos telefones públicos.
Como não havia nada que sinalizasse a presença dos telefones nas ruas, os deficientes visuais frequentemente se acidentavam.
As questões surgidas durante as oficinas já renderam a aprovação de 11 projetos de lei. Entre eles, o da primeira lei brasileira de proteção a testemunhas.
Boal tentou, sem sucesso, se reeleger no último pleito. Apesar de seu mandato terminar no final deste ano, o dramaturgo e diretor pretender continuar o projeto.
"Nossa próxima etapa é encontrar uma forma de fazer o teatro legislativo sem a presença de um legislador exclusivo."
Para isso, ele já está assinando contratos com prefeituras de várias cidades brasileiras, com as quais vai trabalhar em parceria na promoção das oficinas.
Prolongamento
O Teatro Legislativo, explica Boal, é a etapa mais avançada do Teatro do Oprimido, "no sentido de que incorpora todas as demais técnicas".
Segundo ele, essa teoria surgiu quando as possibilidades de fazer um "teatro popular para a população" foram ficando cada vez mais distantes, devido aos problemas políticos e econômicos pelos quais passava a sociedade.
Por causa de suas idéias, Boal foi exilado durante o regime militar. Antes disso, no período em que foi diretor do Teatro de Arena de São Paulo, montou espetáculos marcantes, como "Arena Conta Zumbi" e "O Melhor Juiz, o Rei".
Augusto Boal dividiu o Teatro do Oprimido em cinco fases: teatro-jornal, teatro invisível, teatro-imagem, teatro-fórum e arco-íris do desejo.
Na maioria delas, o público era convidado a interagir com os atores. "Todos podem fazer teatro", conclamava.
No teatro invisível, por exemplo, um grupo de artistas armava uma cena em um local onde ela poderia ter acontecido, como um super-mercado ou um shopping center.
Suas teorias se espalham hoje por quase todos os continentes. "Isso acontece porque o Teatro de Oprimido é um método de conhecimento, não apenas uma forma de se conhecer", define.
Ele acrescenta que o público-alvo desse teatro sempre foi o oprimido, "seja qual for a opressão por ele sofrida".
Projetos
Além de "Teatro Legislativo", Boal já publicou neste ano "Arco-íris do Desejo" e "Aqui Ninguém É Burro".
Em julho do ano que vem, vai ministrar um curso de dez dias para atores da tradicional companhia inglesa Royal Shakespeare Company.
"Aplicarei as técnicas psicoterapêuticas do Teatro do Oprimido na construção de personagens. Será um trabalho bem bonito."

Teatro do Oprimido (TO) é uma metodologia de trabalho político, social e artístico e é um género teatral criado por Augusto Boal, encenador, dramaturgo e teatrólogo brasileiro. Bebendo as suas influências quer numa análise crítica sobre a evolução histórica do teatro, quer nos métodos pedagógicos de Paulo Freire, o TO propõe toda uma nova forma teatral que assenta na abolição da relação tradicional espectador/actor, para colocar no centro da prática dramática o espect-actor – não mais o espectador passivo, mas um interveniente na cena teatral. A base do TO é a exploração de situações de opressão e a valorização da capacidade criadora e criativa de todas as pessoas, em particular dos oprimidos. Isto acontece porque, depois do problema apresentado (uma pergunta ao público, sob a forma de teatro), os espect-actores podem substituir as personagens oprimidas e podem mudar a história, não apenas sugerindo como devia ser, mas actuando e confrontando-se com as outras personagens.



No Teatro Legislativo, exploramos uma história concreta que exprime um problema. Identificam-se os conflitos que estão em jogo e os obstáculos à resolução da situação. Esses obstáculos podem ser variados: pode ser um comportamento individual ou colectivo, pode ser uma relação de poder e pode ser uma lei ou um conjunto de leis que impede as pessoas de acederem aos seus direitos ou que consagra uma relação injusta, de desigualdade, de opressão ou de exploração. O Teatro Legislativo é a utilização da metodologia do Teatro do Oprimido para mudar a lei, discutindo as alterações necessárias às leis que existem a partir de histórias concretas, mas também testando as formas de organização colectiva que são necessárias para construir uma relação de forças diferentes que imponha uma lei mais justa.


Teatro Legislativo é uma forma de humanizar a política: quando temos pessoas concretas e com nome à nossa frente, sabemos que a violência, o desemprego, a discriminação, são marcas reais em corpos verdadeiros, e não apenas conceitos abstractos para discursos inflamados. O Teatro Oprimido – e, dentro dele, um projecto de Teatro Legislativo – é uma das formas possíveis de democratizar a política: ele não requer que as pessoas possuam qualquer linguagem técnica (o que muita gente chama por vezes da “linguagem dos políticos”) para se exprimirem. Ele impele as pessoas a falarem da sua vida através da sua própria presença – corpo, voz, movimento – e facilita por isso a expressão das pessoas num código que não as põe à partida em desvantagem, relegando-as para a categoria de “incompetentes políticos”, mas que as reconhece como as mais competentes na expressão da sua realidade. Por último, o Teatro do Oprimido (e, dentro dele, o Teatro Legislativo) é uma forma activa, entusiasmante e envolvente de discutir política porque despoleta o debate a partir da humanização da discussão e de uma história concreta. Desinstitucionaliza o debate político e abre novos espaços de conflito e de alternativas

Do meu compromisso com Augusto Boal. (José Soeiro)
Fonte: Estudantes por empréstimos

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