TEXTO DE CURADORIA DA EXPOSIÇÃO DO PROFESSOR TIAGO ORTAET EM PORTUGAL
ASSOCIAÇÃO
DE PROFESSORES DE EXPRESSÃO E COMUNICAÇÃO VISUAL
apresenta
Texto e curadoria: Fabiano Ramos Torres
Fabiano Ramos Torres é Professor titular de Filosofia no Governo do Estado de São Paulo, Brasil, mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Tiago Ortaet é Professor Titular de Artes no Governo Estadual e Municipal de São Paulo, especialista em Linguagens da Arte pela Universidade de São Paulo é também fundador do Coletivo Trupe Ortaética.
Sobre a
vista do que não está: entre presença e ausência na obra de Tiago Ortaet
Todas as certezas desfeitas, a verdade
devorada e, assim, uma primeira pergunta: onde está a arte? O seu corpo fará
parte dela sem que você saiba ser peça de uma usina. Porque é dentro disso que
se adentra: um território incandescente, usina onde explodem coisas, pedaços em
chamas que vão se fundir a outros.
Um mergulho no pântano primitivo da vida:
trata-se do processo, das coisas porvir mas que estão sendo gestadas entre
ausência e permanência, um terceiro lugar, o lugar da invenção, do que talvez
não possa ser dito. Há processos, construções. Tudo fora do lugar, a torto, às
avessas, o tempo fora do eixo. O mundo de pernas para o ar.
Não interessa a
pintura, não interessa a escultura, o desenho, a peça. A pintura não dá mais
conta – há muito que se aboliram as bordas, fizeram a cor saltar da tela,
flutuar no espaço, uma cor intangível – O contato com vibrações esquecidas mas
aqui, sempre presentes. O pensamento forçado pela pergunta: “ Onde está a
arte...isto é arte? o pensamento perde
suas âncoras e é forçado a algo que mais que só pode estar nele mesmo. Cada proposição
é um pensamento-invenção que não significa nada além de seu próprio campo de
composição.
Na “caixa de lágrimas” o dispositivo de
contenção – um lenço - repousa tão vivo quanto água-viva: quase inerte,
questiona-se sua eficácia de artifício, a tentativa de suportar aquilo que
trans-borda. O dispositivo perde sua função e passa a ser um corpo à deriva, à
mercê de uma gota que no limite do transbordar dobra, contorce, redobra: pode
ser a gota d’água. Diz o artista: “O excesso de algo é o grito pela falta de
outro.”
O continente passa a ser contido. Conteúdo de
uma inundação: finitude, falência desespero – mas no fundo - no fundo do abismo, no fundo do poço – o
dispositivo aprendeu o silêncio necessário para uma nova permanência: a
descoberta de um novo lugar: “ Eu sou o lugar o lugar sou eu.”
Aqui uma outra máquina tem
lugar – poderia-se dizer uma máquina primitiva, um simples carimbo com a
potência da replicância: a capacidade de reproduzir sua presença à medida que
um corpo for capaz de permanecer. O ato, carimbar, então nos remete à pergunta
de Espinoza: quanto pode um corpo? Mas essa nova e ao mesmo antiga máquina – um
simples carimbo - também transborda: o corpo passa, mas a passagem do corpo
não, o signo na terra, rastro, reticência, uma mordida na maça...o fruto passa,
apodrece, mas a mordida não: ato que rasga, arranca, despedaça...uma mordida
assinala presenças perecíveis, mas também ausências que duram uma eternidade.
Páginas de um livro cuja leitura não findasse porque livro de páginas em branco,
leitura e escrita infindáveis. Livro que ainda não se escreveu, livro que não
se pensou, cuja existência se efetiva no seu folhear: se nada está, então tudo
é possível? Livro que na ausência da letra impressa imprime em outro lugar
tantas histórias e mitos: o que poderia ser ali escrito. E sem que se de conta
disso, o livro está vivo.
São todas máquinas que
funcionam e fazem funcionar – conectadas umas às outras:
mar-terra-homem-água-planta-o detro da maça, o resto dela desfeito no dentro
que está em mim. Como peças de uma máquina-artifício.
Mas eu que já não me
contenho dentro da cavidade procuro fenda e rasgo, talho, exijo existir: romper
a casca dura. Então, no esforço pelo fio de vida, os meus ossos se partem e de
cada fragmento de osso partido nascerão outros tantos até que eu me perceba
eu-ficção. Núcleo, centro de tudo ( abortado ) rebento estilhaçado. Tsunami que
dá vasão, fluxo. Nucléolo, núcleo elo.
Na aula de ciências o menino aprendeu
os segredos da natureza. Ele aprendeu que os seres nascem, crescem, se
reproduzem e morrem. Mas não obteve resposta alguma sobre a natureza da alma,
sobre a vista daquilo que não está. Foi então que descobriu por outro caminho,
a arte: no lugar da terra, tinta, porque de tinta e cor também brotam as
coisas.
Fabiano Ramos Torres é Professor titular de Filosofia no Governo do Estado de São Paulo, Brasil, mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Tiago Ortaet é Professor Titular de Artes no Governo Estadual e Municipal de São Paulo, especialista em Linguagens da Arte pela Universidade de São Paulo é também fundador do Coletivo Trupe Ortaética.
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