TRUPE ORTAÉTICA E HAMBURGADA DO BEM CELEBRAM O PRIMEIRO MÓDULO DA OFICINA DE TEATRO SOCIAL EM GRANDE ESTILO

 RELATÓRIO DE ENCONTRO TEATRAL

FESTA DE FINALIZAÇÃO DO PRIMEIRO MÓDULO

 Domingo, 30 de junho de 2024

 Manhã gelada de um domingo de inverno, por volta das 7 horas da manhã a porta da sede da Hamburgada do Bem já estava lotada de crianças, adolescentes e seus familiares para embarcarem rumo à celebração de um lindo percurso artístico... A fluidez dessas relações afetivas, de muito aprendizado, seria desaguada naquela catarse coletiva. Só é possível definir o estado de euforia desses meninos e meninas com essa palavra: catarse, pela qual contextualizo como estado de encantamento, de pertencimento, de integralidade, do humano em sua potência de ser.  

 Para o filósofo grego, Aristóteles, o conceito de catarse, retratado em seu livro “Arte Poética”, representava a purificação das almas. Ela ocorria através de uma grande descarga de sentimentos e emoções, provocada pela visualização de obras teatrais. Para além de ver, o que propomos é que eles sintam, vivenciem essa experiência.

 Entusiasmos à flor da pele, autorizações de todas as crianças e adolescentes conferidas, lista de chamada checada, sorrisos estampados e a alegria incontida para estrear no dia mais feliz do mês. Estávamos a caminho de mais uma edição da HB, a primeira vez de todo aquele elenco mirim.

 O local desse “encontrão” foi a Escola Estadual Victor Civita, no bairro Cumbica, periferia da cidade de Guarulhos. Os aprendizes e seus familiares foram recepcionados com um café da manhã especial e em seguida foram chamados, um a um, à frente daquela multidão de voluntários que aguardava cerca de 500 crianças do bairro para um dia especial.

 Ouviram a história da filosofia africana “Ubuntu” e muitos, como eu, mergulharam suas emoções em olhos marejados, diluindo pelo olhar a gratidão de viver aquela oportunidade. Dentre gritos esfuziantes, aquele uníssono jamais sairá da nossa mente: Quem é que pode mudar o mundo? Nós podemos! Portanto, toda vez que essas crianças e adolescentes titubearem se são capazes, elas lembrarão que sim, nós podemos!

 Em seguida fomos para a sala-camarim para a preparação de nossa “intervenção poética” que aconteceria durante o evento. Maquiagem, orientações do professor, adereços, muitas fotos e vídeos...

 Os aprendizes seriam, pela primeira vez, voluntários de um evento dessa grandeza. Na verdade, um misto de voluntariado com homenagem, onde cada um estava levando sua arte, sendo um artista-aprendiz valorizado, respeitado e integrado ao coletivo.

 Trilhamos um lindo caminho e a cada módulo temos que festejar, como bem disse o célebre escritor pernambucano Ariano Suassuna “Arte para mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico, mas arte para mim é missão, vocação e festa.” Desse modo, todas as informações transformadas em conhecimento que compartilhamos no ciclo de encontros teatrais são instrumentos para a vida, ferramentas para expressarem suas ideias e principalmente para saberem o seu lugar no mundo: de protagonistas.  

 Tudo que acontecia naquele lugar era novidade para aquelas crianças e adolescentes. É como se disséssemos para elas “Um mundo sensível é possível e nós todos somos os autores desse mundo possível!” uma maneira de mostrar que para além daquela rotina sisuda lá de fora, é sempre possível viver a vida leve, expressando amor, gentileza e empatia, que somos todos responsáveis por enxergar o próximo como a nós mesmos.

 Aqueles palhaços e aquelas palhaças, inquietos, curiosos, expressivos, caricatos e cheios de razão têm poesia exalando por onde passam... Poesia não pode ser lida apenas em textos, mas também em imagens, em gestos, cara branca e nariz vermelho.

 O pedagogo brasileiro mais lido no mundo, Professor Paulo Freire, disse numa de suas obras (1987) que “o homem é um sujeito da práxis” em outras palavras, a efetividade do aprendizado se dá pela experiência sensível, pela vivência e pela conexão com o meio em que está inserido para aprender o que se ensina e para ensinar o que se aprende. Em consequência desse conceito, muitos dos aprendizes convidaram seus pais e irmãos para fazerem parte daquela encenação aberta. É isso que temos feito, proporcionar um espaço de troca simbólica, de construção de afetos e memórias que contribuem significativamente para a emancipação dessas crianças e adolescentes como cidadãos autônomos, críticos e relacionais.

 Talvez eles nem pudessem imaginar que um dia seu pai, sua mãe, seu irmão estariam em cena, de cara pintada e nariz vermelho, compartilhando dessa experiência única.

 Depois da preparação na sala-camarim, aquele grupo de mais de 50 pessoas estava pronto para levar a magia do palhaço para aquelas crianças. Eles ostentavam placas de “ABRAÇOS GRÁTIS” oferecendo conexão de amor e empatia para todos ali reunidos.

 Fizeram cantoria com a clássica canção de Pixinguinha “...meu coração não sei por que, bate feliz quando te vê e os meus olhos ficam sorrindo e pelas ruas vão te seguindo, mas mesmo assim, foges de mim...” reiterando, que nosso jeito de fazer arte é acolhedor, é carinhoso!

 Dizer que foi um dia repleto é pouco. Foi um dia de transbordar!

 Transbordamos a máxima: Gente precisa de gente pra ser gente, precisa de amor tão urgente!

 Lembra que no primeiro encontro dessa jornada apresentei o livro de memórias “DAIKI”? É um livro onde a cada encontro um aprendiz o leva para casa e faz um registro pessoal de como foi aquele encontro. Essa palavra “Daiki” é de origem na cultura japonesa e significa “grande árvore, grande esperança, brilhante, radiante, grande valor”. Entendem que está tudo conectado. Tudo faz parte do mesmo propósito, da mesma missão, realizada por pessoas vocacionadas, um elo de muitas pessoas para fazer esse projeto acontecer e resplandecer na vida dessas crianças e jovens.

 Alehop é GENTE!

 O projeto ofereceu aos aprendizes e seus familiares que não dispunham de transporte próprio, fretamento de transporte, ida e volta até o local do evento e alimentação. Os aprendizes ainda receberam adereços cênicos, camiseta, maquiagem cênica e certificado de conclusão da oficina.

 Tudo isso só é possível por haver um fio condutor que se origina na concepção da Hamburgada do Bem que escreve essa história e cria um legado admirável.

 Apenas começamos!

 Tiago Ortaet - Arte/educador, especialista em linguagens da arte pela USP

 

 

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