O lixo na cidade de São Paulo: Entre problematizações e desafios, uma bomba prestes a explodir

 Por Tiago Ortaet, especial para Oboré

A maior cidade do país gera em torno de 12 mil toneladas de lixo domiciliar e 8 mil toneladas derivados da varrição, por dia, possui apenas um aterro sanitário, baixo índice de coleta seletiva e mesmo diante desse caos anunciado, há pouco investimento em pesquisa e tecnologia para temas ambientais

No último dia 04, véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, reuniram-se no Auditório Tiradentes, do Palácio Anchieta, sede da Câmara Municipal de São Paulo, jovens do Programa “Repórter do Futuro” para mais um encontro do curso “Descobrir São Paulo, descobrir-se repórter” sob o tema “O caminho do lixo”.

Encontro com estudantes de jornalismo na Câmara Municipal de São Paulo. Foto by Tiago Ortaet
O programa de imersão e formação jornalística é realizado há quase 40 anos pela Oboré e coloca em discussão, temas do cotidiano para pesquisas e desdobramentos em outras pautas de relevância social. O palestrante da vez, professor Sérgio Pinto de Almeida, trouxe abordagens transversais e seu olhar crítico perante as inúmeras possibilidades que o tema urge há décadas, bem como a omissão do poder público no aperfeiçoamento dessas pautas ambientais.

Almeida foi por mais de 30 anos professor de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e por cerca de 11 anos esteve também a frente do consórcio Soma, uma das empresas vencedoras da licitação do lixo na cidade de São Paulo, ficando responsável pela assessoria de imprensa da organização privada que até hoje presta serviços públicos à cidade.

Jornalista Sérgio Pinto de Almeida. Foto by Tiago Ortaet

Toda essa vasta experiência diante de sua fala eloquente de quem viveu por muitos anos os bastidores dessa relação complexa entre as empresas prestadoras de serviços e as gestões públicas, foi conteúdo do seleto grupo de estudantes-pesquisadores das muitas pautas em potenciais.

Diante de um cenário historicamente contraditório, onde a cidade que mais gera lixo no país tem apenas 2,5% de reaproveitamento de todo esse montante de resíduos sólidos, dado que está infinitamente distante do que pressupõe o novo marco legal do saneamento básico, aprovado recentemente no Congresso Federal e sancionado pelo Presidente da República, os presentes se atentaram por quase duas horas à explanação do professor.

Ao mesmo tempo em que o ex-coordenador trouxe falas céticas sobre o desenvolvimento tecnológico que poderia ser empregado na destinação dos resíduos sólidos em São Paulo, destacou também projetos bem-sucedidos na relação entre a empresa privada e iniciativas culturais comunitárias na periferia da Zona Leste da cidade, como o Varre-Vila, Grafitagem, dentre outros, demonstrando que a valorização de iniciativas de líderes comunitários podem potencializar o espírito de pertencimento do local e consequentemente de maior zelo pelo espaço público.

Dados oficiais da prefeitura de São Paulo mostram os índices de recolhimento de resíduos na cidade, bem como números da coleta seletiva.

Site oficial da prefeitura de São Paulo

Na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad, houve a implantação da lei municipal nº 15.374/2011, a chamada “lei das sacolinhas” onde os clientes passaram a não receber mais sacolas plásticas dos comércios para transportar suas compras, forçando que os consumidores passem a ter o hábito de levar sacolas próprias, entretanto não há estudos que mensurem os resultados de tais medidas.

Almeida também fez observações quanto aos equipamentos de proteção individual, os chamados “EPI´s” dos profissionais da coleta de lixo, ressalta ainda que os funcionários ficam constantemente expostos aos mais variados riscos, desde a inalação dos gases tóxicos advindos do chorume que escorre para um compartimento próprio do caminhão de lixo, derivado do processo de trituração do lixo recolhido, bem como os riscos de queda dos profissionais que seguem pendurados nos caminhões, dentre tantos outros.

Imagem Divulgação/Prefeitura SP – Um dos 2.282 caminhões que fazem a coleta de lixo na cidade

Ao final do encontro os estudantes puderam realizar uma coletiva de imprensa com perguntas sobre os desdobramentos dos muitos assuntos tratados na explanação do professor.

Questionado sobre campanhas educativas para a população sobre o descarte consciente dos resíduos sólidos, Almeida destacou que os contratos entre poder público e empresas de limpeza urbana preveem ações e projetos em educação ambiental, mas geralmente são contratados somente espetáculos teatrais para apresentações em algumas poucas regiões. Ele destaca ainda que geralmente são investidos milhões de reais em propagandas veiculadas na televisão e isso não tem surtido efeito e completa sendo enfático:


“Campanhas educativas para adultos não surtem nenhum efeito, o que é preciso investir é em educação ambiental para as crianças, essas sim, podem mudar de atitude e influenciar outras pessoas.”

Segundo Almeida, apenas na Zona Leste há mais de 4.000 pontos viciados, que são espaços públicos onde há um permanente descarte irregular de lixo; porém não há vontade política para eliminar essas falhas.

Para Adriana Baptista, bancária, 50 anos, moradora do bairro Vila Maria, a região em que mora, tem uma limpeza regular, entretanto ela diz não fazer separação de resíduos sólidos em sua residência e que não tem informações suficientes sobre o descarte correto de lixo eletrônico.

“Mesmo eu sendo esposa de um engenheiro eletrônico, não temos total conhecimento de locais específicos para o descarte desses eletroeletrônicos quebrados; quando vamos dispensar algum deles, preferimos doar para catadores, daí eles fazem o descarte correto ou a venda desses objetos”

Próximo da residência da entrevistada há um ponto viciado de descarte irregular de lixo há quase uma década, na divisa entre a Zona Norte de São Paulo e a cidade de Guarulhos, no bairro do Jardim Cabuçu. Não parece difícil refletir que a instalação de câmeras de monitoramento cessariam essas atitudes da população local. Não há fiscalização efetiva para punir os infratores.

É sabido que boa parte da população não colabora com a limpeza urbana, dispensando seus resíduos sólidos em vias públicas, o que acarreta entupimento de bocas de lobo, acúmulo de lixo em praças públicas e consequentemente enchentes em dias chuvosos. Ainda na palestra o professor revelou um dado impressionante sobre a rotina de varrição na cidade; a frequência em que a Praça da Sé é varrida por dia é de dezessete vezes

Privatizar por quê?

Uma megalópole como São Paulo, que tem um orçamento anual de mais de 82 bilhões de reais por ano, mão de obra especializada, instituições de pesquisa que são referências no país, tecnologia de ponta, vitrine do Brasil para o mundo e teoricamente uma cidade capaz de gerir suas próprias demandas, é curioso a necessidade das diferentes gestões públicas que se sucedem, em terceirizar a responsabilidade do serviço de limpeza urbana para empresas privadas.

Será que uma cidade com toda essa pujança não seria capaz de gerir servidores públicos, coordenar equipes, realizar aquisições de maquinário próprio, propiciar manutenção permanente? Perguntas que não querem calar.

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