RETRATOS DE FAMÍLIA - MEMÓRIAS
PROJETO
INTERDISCIPLINAR “RETRATOS DE FAMÍLIA”
Professor Me. Antônio Lúcio R. Assiz
“PERCURSO DE CRIAÇÃO DA
ENTREVISTA”
Tiago
Geraldo do Nascimento RGM: 27127222
Assim que tive contato com a
ementa desse trabalho acadêmico, um mar de possibilidades desaguou sob meus
insights criativos. Um tema tão potente como esse, me provoca enquanto ser
relacional, me aguça pelas raízes culturais e sobretudo o elo de amor
estabelecido em meus 37 anos de vida. Minhas mais singelas memórias afetivas da
infância, advém de gestos de amor, praticados pela minha entrevistada.
Decidi entrevistar minha tia
materna, Senhora Valdemira Alves da Silva, de 74 anos, mulher que cuidou de mim
de 0 aos 10 anos, durante todo o dia, enquanto minha mãe trabalhava,
exaustivamente, para sustentar a casa. Sempre fomos de família muito humilde; migrante
nordestina, minha mãe ficou viúva, com quatro filhos menores e teve que
trabalhar dobrado, como faxineira, para criar a mim e meus irmãos. Ela sempre
teve o apoio incondicional da minha tia Val.
Minha mãe faleceu há quase
dois anos; desde então, a Tia Val é meu familiar mais idoso.
No percurso do trabalho, fiz
leitura do livro indicado “memória e sociedade” de Ecléa Bosi e me encantei com
a delicadeza da narrativa e a vinculação da prática do trabalho nos relatos do
livro, de forma fundante. Decidi ler o livro como um todo e não apenas o
capítulo cerne em questão. A obra passou a ser uma grande referência teórica
para minha formação. Atuei durante três anos num centro psicossocial, em equipe
multidisciplinar (psicólogo + assistente social + arte/educador) e exercitei
muito o acolhimento de histórias, principalmente de idosos. Minha prática
educativa, em sala de aula (e fora dela) sempre foi pautada pela escuta, por
isso tamanha identificação com a obra de Ecléa Bosi.
Essa leitura me remeteu,
empiricamente, alguns contos de Clarice Lispector, que tem idosos, como
personagens principais: “Feliz Aniversário” (1960), “Os Laços de Família”
(1960), “O Grande Passeio” (1971) e “A Partida do Trem” (1974). Reler todos
eles, me fez um significado diferente, do que da primeira vez; o que ampliou
ainda mais o horizonte estrutural da entrevista, me fez também, refletir sob os
meus antepassados, o fio condutor que nos conecta nessa vida e me fez, ainda, projetar
no idoso que serei.
Um jogo simbólico e conceitual
de identidade e alteridade, que costumo realizar, através do teatro do oprimido,
desde adolescente. Inevitavelmente, as experiências de interação com idosos na
família e no trabalho, vêm à tona. Nessa teia de significados, me reportei
àqueles dois anos, em que estive membro do conselho municipal de políticas para
os idosos da cidade de Guarulhos e acompanhei de perto, a criação de políticas
públicas para os idosos. A cada novo encontro, eram novas portas simbólicas,
que se abriam em mim. Essa fase coincidiu com o período que cuidei de minha mãe
acamada.
Durante o período de feitura
do trabalho, eu e meus irmãos, fizemos uma surpresa, no dia do aniversário de
minha tia/mãe e as imagens, também fazem parte da instalação poética que criei,
intitulada “CAIXA DE PANDORA SONORA” que revela trechos sonoros da entrevista e
fotografias antigas da família. Caixa de Pandora é originalmente,
um objeto da mitologia grega, peça central do mito de Pandora, a primeira
mulher criada por Zeus. Nessa caixa, os deuses colocavam as dores do mundo e
dentre eles um dom especial: a esperança.
Em diversos momentos, a
entrevista falava dela mesma, uma metalinguagem em palavras acolhedoras, como quem
repousa o amor do vínculo profundo que temos, no colo materno. A entrevistada sempre
faz questão de dizer que me considera como filho biológico.
A primeira tentativa de
entrevista aconteceu remotamente, via celular e fui traído pela minha emoção,
de entrevistar minha própria história, diante dessa eclosão de sentimentos, esqueci
de apertar o “play” da gravação e todo o conteúdo dito, não fora gravado. Se
por um lado eu estava frustrado com a minha inoperância técnica, de ter me
deixado levar pela emoção e assim não ter gravado as lindas falas da
entrevistada, por outro, estava repleto com a propositura de uma entrevista
exitosa. Se foi bem realizada na primeira vez, haveria de ser na segunda. E
foi…
Resgatar histórias que vivemos
juntos, momentos singelos, como ficar da janela, assistindo a chuva, numa tarde
fria, o paladar de seu tempero de todos os dias, as batalhas vencidas do início
da jornada, as dores e dilemas da família, as datas comemorativas… É como se tudo
fosse tão palpável, nessa teia de sentimentos, que a gente abraça essas
memórias e sente cada uma delas.
O sotaque da entrevistada é
para mim, um sonoro cartão de visitas aos meus primeiros caminhos nessa vida;
uma viagem ao passado… Sua fala, cheia de lágrimas, me traz um oceano, onde flutuo,
um porto seguro, em meio a imensidão do mundo. Minha relação com os idosos é
bastante forte e remonta minha trajetória em muitos pedaços, como um
quebra-cabeça de afetos ou como pinturas expressionistas que tem, em cada uma
das rugas, nos rostos, linhas do tempo vivido.
É notória
a solidão da velhice, estampada no olhar dos nossos idosos, um olhar que pede para
rememorar o sabor de antes, pede um afago, um retorno ao colo, um controle que
já não mais se tem… É como se despertasse para a finitude da vida, coisa que a
juventude nos embriaga e não nos deixa sentir. Só a maturidade é capaz de
transparecer o néctar da vida, o que está por detrás dos sonhos e se encontra
nas miudezas do cotidiano. Diante das memórias do agreste do sertão de
Pernambuco, de meus antepassados, criei a poesia “GUARDADOS”
Solo seco do sertão, remanchando o beco do meu
coração… Sol alumiando todo aquele brilho, boneca era um sabugo de milho e da
estante até o portão tinha mestre Vitalino de decoração.
Tapioca, suor do roçado, farelo de mandioca, um
gosto que muito me importa, suspirando sabores da minha canção. Brincadeira no
terreiro, verso e baleiro, pião rodopiando no chão,
Céu dizendo que chove pra atender a reza e encher
o açude, forró fazendo show e Deus que nos ajude. Ah que alegria tão vistosa,
natureza vigorosa desse mandacaru… Comida tão cheirosa, o berro da vaca mimosa
e as lembranças de Caruaru…
Guarulhos,
18 de Maio de 2021
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