MEU RELATO-AFETIVO DE TRAJETÓRIA PEDAGÓGICA
Sou filho
de migrantes nordestinos, retirantes da seca do sertão do Brasil, tive uma
infância humilde, fui sempre estudante de escola pública e logo na infância me
identifiquei com as artes e na adolescência com o ativismo social, fui líder de
grêmio escolar, idealizador de projetos comunitários, bolsista de programa
social no ensino superior e me tornei professor da escola pública onde estudei
durante toda vida escolar.
Sempre
defendi a escola pública como templo sagrado do saber e nesses quase 20 anos de
magistério, instigo meus estudantes a serem guardiões da escola pública, pois
lá é uma pista livre para que eles decolem para novos horizontes. Sempre
concebi, aula como “encontro” de infinitas possibilidades, de exaltação dos
repertórios culturais de cada um dos presentes e de simbiose de histórias, na
escola da vida.
Quando
iniciei minha trajetória no serviço público, diagnostiquei, através da análise de
um jovem inquieto, curioso, querendo mudar o mundo; que na escola pública, de
um modo geral, não havia uma política cultural implantada, democrática e
plural, onde os estudantes pudessem, de fato, terem voz ativa na construção do
ano letivo. Eu queria que os estudantes tivessem uma escola ainda melhor do que
eu tive, mais aberta, mais ressonante da realidade deles... Quando cito a
palavra “política” me refiro à sua essência mais sublime, política em seus
pilares mais fundantes, que consiste no exercício emancipatório de sua
cidadania efetiva.
Tive
experiências bastante significativas em diferentes esferas públicas e
instituições, mas sempre concomitante ao meu laboratório estético, social,
cultural e educativo que desenvolvo na escola onde eu cresci, criei maturidade
e me formei...
Minha maior motivação é sem dúvida o
entusiasmo em transformar vidas através da educação, da cultura e dos direitos
humanos, que pulsam em minha essência.
Ao longo desses mais de 17 anos em que leciono na periferia da cidade, tenho vivido muitas histórias, de superação, de tantos jovens, que pude contribuir na ampliação de seus horizontes para novas realidades. Por me sentir vocacionado e por manter a chama da esperança sempre acesa é que decidi ser educador.
Ao longo desses mais de 17 anos em que leciono na periferia da cidade, tenho vivido muitas histórias, de superação, de tantos jovens, que pude contribuir na ampliação de seus horizontes para novas realidades. Por me sentir vocacionado e por manter a chama da esperança sempre acesa é que decidi ser educador.
Protagonismo
juvenil, autonomia, liderança, cidadania e consciência social são pilares que
fundamentam minha prática pedagógica. Esse conceito plural em referências e
diverso em projetos de grande impacto na comunidade me dão uma base sólida para
apresentar meus ideais de uma sociedade mais justa, humana e igualitária, que
ajudo a construir cotidianamente.
Nessa
jornada de quase duas décadas como educador propus e realizei muitas ações e
projetos, sempre de forma coletiva, coexistindo o espaço público, extrapolando
muros e burocracias.
Quando relato
os projetos educativos que criei ao longo da minha trajetória, em sala de aula,
tenho por premissa, sempre falar no plural, pois sou contagiado pela frase
célebre do poeta “fundamental é mesmo o amor... É impossível ser feliz sozinho”
todavia, o verbo “nós” se aplica com muito mais garbo, suspiro e realidade, do
que o verbo “eu”. Ninguém faz nada sozinho.
É uma maneira de reverenciar a parceria, apoio e amor, na via de mão dupla, com meus estudantes; muitos deles, ex-alunos, hoje amigos de trabalho, em diferentes frentes, seja no ativismo social, nos projetos culturais nas comunidades ou propriamente em sala de aula, alargando o significado de escola.
É uma maneira de reverenciar a parceria, apoio e amor, na via de mão dupla, com meus estudantes; muitos deles, ex-alunos, hoje amigos de trabalho, em diferentes frentes, seja no ativismo social, nos projetos culturais nas comunidades ou propriamente em sala de aula, alargando o significado de escola.
Ousadia,
lastro comunitário, inovações e embasamento numa educação contemporânea e
libertadora, sempre formaram a marca de nossos projetos, tendo nossos feitos
coletivos, sido noticiados em jornais, sites e revistas, regionais, nacionais e
até internacionais, como práticas pedagógicas relevantes. Dentre esse ciclo de
projetos destaco:
Trupe Ortaética
de Teatro Comunitário - 2003 à 2020: O projeto que surgiu dentro da escola, em
oficinas culturais gratuitas, oferecidas como um democratizador do acesso às
artes, na comunidade; ganhou inúmeras ramificações, extrapolando os limítrofes
da escola, berço desse manifesto popular. Nesses mais de 17 anos, em que o
coletivo atua ininterruptamente, foram mais de 4000 cidadãos impactados
diretamente através de oficinas, produções, saraus de poesias, espetáculos
artísticos, performances de rua, intervenções urbanas e cursos nas mais
diferentes linguagens artísticas. A metodologia, bem como o impacto social do
projeto, foi apresentado em congressos nacionais e internacionais, em países da
América Latina, Europa e África.
Blog
Continental Cultural – 2007 à 2020: Essa foi a fase em que meus passos caminharam
para uma maior consciência de que a arte que realizávamos, dentro da escola
pública, merecia ter uma vitrine afetiva, uma plataforma virtual que
documentasse cada passo dado, a fim de fundar, também, provocações aos poderes
institucionais; alicerçando os próximos projetos e conquistas, legitimando ainda
mais a postura vanguardista empregada em todas as ações. Foi nessa época que fundamos
os “LÍDERES CULTURAIS” numa perspectiva de criar o hábito de candidaturas
eletivas, dentro do espaço escolar, para que os adolescentes escolhessem,
democraticamente, propostas de políticas culturais, criadas e defendidas pelos
próprios estudantes, sob minha mediação. Tínhamos um blog educativo, numa época
em que praticamente não se falava em blogs docentes. Pelo caráter inventivo e
inovador fomos matéria na TV Cultura como uma proposta inspiradora.
Um dos
mais importantes impactos gerados que alterou nosso ambiente que nos cerca, sem
dúvida, foi a criação de um ateliê próprio na escola, para as produções dos
alunos, um espaço exclusivo para as aulas de artes.
Ohtake Fashion
Week – 2009
à 2020: Ciclo de pesquisas
estético/culturais que prevê a ruptura de padrões impostos pela mídia,
principalmente pela cultura de massa, no que tange o corpo, as vestimentas e a
inclusão de novas vertentes da moda. Pautado nos Direitos Humanos e nos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis – ODS da Organização das Nações
Unidas – ONU, os estudantes são ativos protagonistas em todas as etapas do
projeto, desde a pesquisa, criação de dados estatísticos, produções têxteis, visitas culturais em
instituições públicas e privadas, realizações de oficinas e desfiles. A
imprensa local, já noticiou nosso projeto como uma ação de grande participação
comunitária.
Educação-Resgate
– 2014 e
2015: Consistiu em realizar uma “busca-ativa” de estudantes que se evadiam da
escola, de modo que um grupo visita esses evadidos, a fim de trazê-los de volta
ao convívio escolar e aos estudos. Outras mobilizações foram criadas na época;
uma das mais bem sucedidas foi a parceria com a rádio Metropolitana de São
Paulo, que nos presenteou com um show exclusivo da cantora “Anitta” dentro da
nossa escola. Uma infraestrutura de show profissional, jamais antes vista em
nossa comunidade.
Virada Cultural
Independente – 2012 à 2016: Após inúmeras reuniões dos líderes culturais
da escola, chegamos ao consenso de que deveríamos dar um passo a diante da
nossa construção coletiva, realizando a maior programação cultural ininterrupta
de uma escola pública do país. São cerca de 3 meses de planejamento intenso,
parcerias com instituições como corpo de bombeiros, polícia militar, guarda
civil metropolitana, artistas independentes, coletivos culturais, imprensa e em
uma ocasião, depois de anos de insistência, tivemos apoio da secretaria de
cultura da cidade.
Projeto
Manifestus – 2016:
A partir da propositura didática em que provocava os estudantes num “Roteiro de
Estudos Estéticos” o cerne central desse projeto, consiste em três pilares:
transposições artísticas, hibridização de linguagens e “eu, no mundo” que
consequentemente vira uma exposição de painéis gigantes, intervenções com arte-objeto, vídeo-arte e a
publicação de um livro de poesias.
Todos esses,
projetos germinados nas carteiras da escola pública, na relação dialógica, afetiva,
empoderada e interdisciplinar fomentada com os estudantes.
Por
diversas vezes esbarramos no conservadorismo pedagógico de muitos educadores
que viam, nas nossas ações, um perigo eminente, uma disfunção da escola
concebida até então. Essas barreiras só foram vencidas com muito diálogo em
reuniões pedagógicas e demonstração do conceito plural de uma cidade educadora.
Realmente nossos projetos subvertem a lógica engessada da escola tradicional e
transgride o currículo escolar, tornando-o mais factual.
Esse
ciclo de projetos pode inspirar outros educadores em palestras, matérias em
imprensa, oficinas gratuitas e encontro com educadores que realizo frequentemente.
As redes sociais são atualmente, novas pontes de contato direto com nosso fazer pedagógico no serviço público; muitos educadores e estudantes de pedagogia, entram em contato a fim de compartilharmos saberes.
As redes sociais são atualmente, novas pontes de contato direto com nosso fazer pedagógico no serviço público; muitos educadores e estudantes de pedagogia, entram em contato a fim de compartilharmos saberes.
Após um
longo período de projetos de destaques, recebi o honroso convite para ser
dirigente cultural de minha cidade e tempos depois o convite para atuar como
diretor de direitos humanos. Estar gestor público me autenticou mais
experiência e visão holística do impacto do serviço público na vida das
pessoas.
Mesmo
diante de todo esse ciclo de projetos que atravessa gerações de estudantes, o
sentimento que transborda em minha essência de educador é de que sempre haverá
um estudante novo chegando na escola, que ainda não foi impactado por nossos
sonhos coletivos de sermos uma mola propulsora para que as ideias das crianças
e adolescentes ganhem asas, temos sempre parcerias novas, com novas
instituições e novos educadores.
Eu quero
ver novos rostos resplandecentes de protagonismo e idealismo juvenil, o que é típico
do adolescer, para que eles ganhem
outras tantas ramificações; formem mais trupes, mais ideias, à frente do seu
tempo... Sobretudo, meu sonho é que além de todo esse ciclo didático,
tematizado e ressignificado anualmente, eu possa inaugurar, nos próximos anos,
um cursinho comunitário para que mais jovens da escola pública possam entrar na
universidade pública.
No meu
primeiro ano no serviço público, em 2003, fui premiado, com um diploma conferido pela
dirigente regional, como o jovem educador, destaque de programa educativo na
cidade, pelos relevantes projetos comunitários desenvolvidos. Em 2009 fui
finalista do Prêmio Arte na Escola Cidadã e em 2019 fui selecionado pela
Fundação Lemann como melhor prática pedagógica, conferido diploma e placa de homenagem. Sou imensamente
grato pelo reconhecimento de importantes instituições, mas não há
reconhecimento mais lindo do que o brilho dos olhos dos meus estudantes.
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