CONTARDO CALLIGARIS FAZ PENSAR...
Os sonhos dos adolescentes
Se tivesse que comparar
os jovens de hoje com os de dez ou vinte anos atrás, resumiria assim: eles
sonham pequeno. É curioso, pois, pelo exemplo de pais, parentes e vizinhos,
nossos jovens sabem que sua origem não fecha seu destino: sua vida não tem que
acontecer necessariamente no lugar onde nasceram, sua profissão não tem que ser
a continuação da de seus pais. Pelo acesso a uma proliferação extraordinária de
ficções e informações, eles conhecem uma pluralidade inédita de vidas possíveis.
Apesar disso, em regra,
os adolescentes e os pré - adolescentes
de hoje têm devaneios sobre seu futuro muito parecidos com a vida da gente:
eles sonham com um dia-a-dia que, para nós, adultos, não é sonho algum, mas o
resultado (mais ou menos resignado) de compromissos e frustrações. Eles são
“razoáveis”: seu sonho é um ajuste entre suas aspirações heróico ecológicas e
as “necessidades” concretas (segurança do emprego, plano de saúde e
aposentadoria). Alguém dirá: melhor lidar com adolescentes tranquilos do que
com rebeldes sem causa, não é? Pode ser, mas, seja qual for a qualidade dos
professores, a escola desperta interesse quando carrega consigo uma promessa de
futuro: estudem para ter uma vida mais próxima de seus sonhos. É bom que a
escola não responda apenas à “dura realidade” do mercado de trabalho, mas
também (talvez, sobretudo) aos devaneios de seus estudantes; sem isso, qual
seria sua promessa? “Estude para se conformar”? Consequência: a escola é sempre
desinteressante para quem para de sonhar.
É possível que, por sua
própria presença maciça em nossas telas, as ficções tenham perdido sua função
essencial e sejam contempladas não como um repertório arrebatador de vidas
possíveis, mas como um caleidoscópio para alegrar os olhos, um simples entretenimento.
Os heróis percorrem o mundo matando dragões, defendendo causas e encontrando
amores solares, mas eles não nos inspiram: eles nos divertem, enquanto,
comportadamente, aspiramos a um churrasco no domingo e a uma cerveja com os
amigos. É também possível (sem contradizer a hipótese anterior) que os adultos
não saibam mais sonhar muito além de seu nariz. Ora, a capacidade de os
adolescentes inventarem seu futuro depende dos sonhos aos quais nós
renunciamos. Pode ser que, quando eles procuram, nas entrelinhas de nossas
falas, as aspirações das quais desistimos, eles se deparem apenas com versões
melhoradas da mesma vida acomodada que, mal ou bem, conseguimos arrumar. Cada
época tem os adolescentes que merece.
Adaptado de Contardo Calligaris. Folha de
S. Paulo, 11/01/07
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