CONTO DE UM PROFESSOR!
UM MINUTO PRA VIDA
INTEIRA – um conto escolar
Escola é um túnel impregnado de sentimentos, um corredor de
tempo que corre depressa demais, um palco de esferas das mais diferentes, é
casulo, é um centralizador de mundo, nessa sacralização da vida humana todos
são atores, todos são pontes...
Feliz e eufórico por estar muito próximo de conseguir
viabilizar um dia alheio e tão cheio de cores na vida sofrida, intensamente
“preto e branco” desses meninos e meninas; havia eu de escolher os personagens
para serem vestidos por aquela loja. Loja que representava mais um dos diversos
parceiros que conquistamos, mais que isso, possuía a força simbólica de um
divisor de águas...
O senso comum me fez pensar em vários jovens e crianças de
nossa escola, muito bonitos, cheios de estilo, mesmo na simplicidade de suas
vidas; é fácil encontrar rostos bonitos ou o que o padrão da sociedade nos
impõe como padrão de beleza.
Tem momentos que na escrita da vida, temos a
obrigação de inserirmos parênteses com trechos da poesia do olhar; aquela que
não se escreve com palavras.
Foi aí que pensei de subverter a ordem “natural”, pois nosso
desfile de moda não é a favor de padrões; pensei então em alguém que tivesse um
histórico bastante hostilizado na escola, alguma criança que frequentemente
fosse motivo de chacotas, piadas maldosas por quem não aprendeu a respeitar o
ser humano. Logo veio em minha mente a Jéssica da quarta série.
A Jéssica é uma criança bastante sofrida, que pertence a uma
família cheia de vulnerabilidades e nitidamente percebe-se que ela possui um
comprometimento intelectual. Nota-se também o quanto ela é ridicularizada pelos
colegas, sofre constantes agressões e constrangimentos. Tinha de ser ela, pois
talvez aquele fosse um momento que ela estaria fora da “bolha” a qual pertence.
No dia da prova das roupas, todos os alunos foram orientados
de que a “personal stylist” da loja comporia a combinação de vestes, foram
orientados também que “modelos” geralmente não escolhem as próprias peças para
desfilar, que esse era o papel do profissional que nos atenderia.
Chegando à loja, a menina Jéssica logo viu um vestido com
flores lilás e disse que “queria aquele” olhei para a atendente e expliquei
discretamente em seu ouvido a condição de saúde da criança e logo a mesma
autorizou que ela provasse aquele vestido. Não se tratava do mais belo vestido
da loja, mas era o que mais agradou a menina, que dias antes me indagou: “Professor
eu vou desfilar com um vestido bem lindo???”
Tinha que ser aquele vestido; a euforia e entusiasmo da Jéssica
nem a permitiu experimentar outros tantos que lhes foram oferecidos pelas
profissionais da loja, ela estava determinada e desfilar com aquele primeiro
que havia visto e se identificado.
Um vestido bufante, chamativo, com rendas
brancas, babados lilás em diferentes tons.
No dia seguinte, muita correria, muitos preparativos,
improvisos e ansiedades; muitos detalhes e surpresas que tinham que dar
certo... Diante de todo esse ciclo de afazeres, a profissional da loja que
acompanhou todos os desfiles da escola me procurou e perguntou: -“Professor
aquela menina que ficou tão feliz com o vestido ontem lá na loja, não veio
desfilar hoje???”
Logo me lembrei da menina e a anunciei pelo microfone. Ela
estava lá, tranquila, sentada na plateia, esperando alguém lhe avisar o momento
que tinha de se vestir. Foi então que a garota foi para os camarins dizendo “Já
é minha vez?!?!?”
Todos os alunos na passarela da escola me causaram alegria;
tive o privilégio de proporcionar um momento substancial a todos eles; prazer de
vê-los em um momento tão raro em suas vidas, onde eles estavam sendo
protagonistas de algo bom, jovens em destaque, sendo vistos e aplaudidos; mas
com certeza, nenhum desfile me emocionaria mais do que a passagem da menina
Jéssica.
Eis que chega o momento dela desfilar, toda linda, maquiada,
com um belo vestido, mãos geladas e coração disparado.
Ao anunciar fiz um grande suspense; daqueles de surpreender
as melhores plateias, coisa de filme, daquelas sessões da tarde para
eternizar... Disse dentre outras coisas que aquela aluna que viria naquele
momento merecia toda nossa empolgação, nossos olhares, pois é uma menina do
bem...
O DJ aumentou o som, as luzes dos holofotes se acenderam, as
máquinas de fumaça soltaram lindos efeitos especiais e eu ao microfone
anunciei: - A linda Jéssica vem ai!!!
Todos, absolutamente todos da plateia aplaudiam e gritavam
muito ovacionando a menina que tremia com as mãos segurando as minhas. Já na
ponta da passarela, muitos ficaram de pé e ao fundo gritos ensurdecedores de
“Linda!!! Linda!!! Linda!!!”
Conseguimos fazer com que TODA uma escola aplaudisse alguém
que é tamanhamente ofendida e humilhada no cotidiano escolar, pela sua condição
social ou pela sua origem.
Essa conquista foi o maior presente desse evento.
Ela andava como quem flutua, uma imagem que não sai mais da
mente dela, tampouco da minha!
Tiago Ortaet
27 de Setembro de 2012
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