MAIS UM DE MEUS RELATOS SOBRE MEU LIVRO "EDUCAÇÃO RESGATE"
ETHOS E habitus NA DINÂMICA SOCIAL - Educação Resgate
(Livro do Professor de Tiago Ortaet * Ainda em construção)
Arte/Educação Social – garantindo acesso e desenvolvimento à educação e cultura
Sou um jovem professor de Artes que há sete anos vivencio experiências docêntes/discentes que me fazem rever meus conceitos com frequência, além de experimentar detalhes que fazem toda a diferença.
Sempre tive o privilégio de exercer minha docência dentro e fora de sala de aula com facilidade, naturalidade, pelo meu jeito descontraído de ser e principalmente pela minha aliança com o teatro para educar; mas eu estava prestes a encontrar o maior desafio desses sete anos de magistério.
Tenho uma relevante passagem profissional numa importante instituição de proteção a Criança e ao Adolescente e experiências com visitas domiciliares de famílias vitimizadas encaminhadas pelos Conselhos Tutelares. Através desse meu olhar diante dos descasos familiares com crianças lancei um projeto de teatro voltado para a valorização do indivíduo e mediação de conflitos.
Minha recente chegada a uma das escolas mais violentas de São Paulo me causou angustias e turbinou ainda mais meus anseios artísticos por uma arte libertária. Muitos colegas já haviam me dito de uma espécie de “insalubridade” ao se trabalhar naquela comunidade, mas decidi mesmo assim, como quem cumpri uma missão, escolher na escola para me efetivar.
Trata-se da Escola Municipal de Educação Fundamental Frei Antonio de Sant`Anna Galvão, no bairro Cabuçú, Zona Norte de São Paulo.
A primeira impressão das turmas foi um turbilhão de possibilidades; pois me vieram à mente muitas atuações positivas frente às situações bastante delicadas.
Há muita agressão, desrespeito, as crianças são invasivas umas com as outras. Não é posso permitir que esse comportamento seja normal, não deve ser considerado comum, pois está além das rotineiras desavenças entre crianças.
A transgressão é natureza do adolescer, mas nesses casos estão imbricados nas dificultosas relações, estigmas, exposições contrárias, negativas, afrontas e até patologias.
Eu estava disposto a ter, além de todas minhas referências bibliográficas, também o ECA como minha bíblia de toda fé na educação; para enaltecer e oferecer a essas crianças experiências e encontros com as mais diferentes culturas e a descobertas da identidade cultural através das artes.
Imbuído do mais nobre dos sentimentos, o amor pelo que faço seria o motor para através do ECA ensiná-los tanto a garantia de seus direitos como civilizar seus deveres.
Até sabia que o trabalho necessitaria ser grande, suado, exaustivo; mas quando adentrei as salas de aulas daquela escola pela primeira vez senti que desafio ainda maior, mas seria também do tamanho do meu desejo de ser útil na vida deles. As dificuldades na educação me movem para esses caminhos. Não fui enganado, sabia do teor de violência da unidade escolar quando aceitei o desafio.
Os dias foram se passando e percebia que sempre estava entre o sucesso e o fracasso pedagógico e isso por me incomodar deveras, me instigou a iniciar a escrita de um livro que titulei de “EDUCAÇÃO RESGATE” pelo caráter iluminador de minhas ações.
Soa contraditório um espaço de ensino que leva o nome de Frei Galvão, um homem de paz, como patrono, ter um índice de violência tão grande.
A violência é um fenômeno social que faz parte de um ciclo e aos poucos pretendo quebrar esse ciclo com afeto.
As perspectivas do bairro são pequenas, as oportunidades para essas famílias são escassas e em muitos casos se quer existem. As crianças são vitimas da sociedade, das faltas de políticas publicas eficazes e freqüentemente também são vítimas de suas próprias famílias pelo descaso.
Essas crianças em formação (em sua maioria), vivenciam uma deformação de conduta em tempo integral nos espaços da comunidade e pelos casos de agressão que acontecem com dentro da própria escola, eles se habituam ao que é errado, eles convivem com muitas ausências e no espaço que a fé, o respeito, a educação não entram, males que irão ferir sua cidadania para sempre podem ocupar esses espaços. É uma inversão de valores. Há um esforço por parte da escola em oferecer o que a família deixou de lado, como regras e limites, mas evidente que essa tarefa não é mesmo fácil.
A gentileza causa estranhamento entre eles, a cordialidade é o inusitado; pois ninguém pode dar o que não recebe.
A sensação que me dá é que a lei do mais forte é sempre cobrada dessas criaturas, que pela idade, deveriam ser delicadas, sensíveis e protegidas pelos adultos.
Daí fica fácil entender a agressão gratuita, a ofensa da moralidade do outro, o benefício próprio em detrimento dos demais, uma vez que através da força que eles se garantem, se sobressaem e buscam uma identidade; mais uma vez reflito: inversão de valores.
A arte pode interferir positivamente nesse caótico ciclo pelo seu caráter de humanizar as relações e os olhares. E de fato interferiu numa das primeiras ações teatrais que proporcionei na escola.
“INTERVENÇÃO ARTÍSTICA - BLITZ DA HUMANIDADE” refletindo o ECA.
RELATÓRIO DA PERFORMANCE TEATRAL COM ESTUDANTES DA EMEF FREI ANTONIO DE SANTANA GALVÃO EM PARCERIA COM A TRUPE ORTAÉTICA DE TEATRO COMUNITÁRIO PROMOVIDA PELO PROFESSOR TIAGO (ARTES)
Embasado nos quatro pilares da educação, aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conhecer e aprender a conviver defendidos pela UNESCO; a performance teatral “BLITZ DA HUMANIDADE” tem como seu mote principal romper (mesmo que temporariamente) com hábitos e ethos (Pierri Bourdieu) que possam distanciar essas crianças de sua cidadania.
Temporariamente por que somente através da insistência é que a mudança aparecerá, gradativamente, mas de forma consistente. Porém um suspiro poético ao meio de tanta violência juvenil já é uma conquista inenarrável. Concebo cidadania na Educação como o estudante que reflete sua prática e ao passo que estão planejando ações educativas com a arte teatral, ao mesmo tempo que estudam as técnicas do improviso e posteriormente redigem um relato sobre a experiência vivenciada, esses estudantes estão exercendo sua postura cidadã.
Após diagnóstico Pedagógico/Disciplinar que compus mediante meus primeiros encontros com essas crianças, planejei uma série de ações que intervissem no cotidiano, muitas vezes mutilado pela vulnerabilidade social ou pelo descaso diário, que eles vivem.
O lema dessa primeira performance coletiva foi o AFETO através de outras palavras debatidas em sala de aula como: gentileza, cordialidade, respeito, educação, compromisso e impacto positivo. Todos os estudantes do período da manhã se surpreenderam com as ações e esse choque cultural certamente traz a tona valores humanos que a arte é capaz de fazer penetrar no sentimento das pessoas de forma poderosa.
“Educar para a vida” esse conceito está relacionado com os temas transversais que surgiram através das falas dos próprios estudantes, pois em nossas “invasões com concessões” que fizemos em cada uma das turmas, houveram encontros e reencontros de demonstração de carinho entre irmãos que antes não se olhavam, não se abraçavam, pois só viam caminhos para a agressão, para o desrespeito e para a ofensa moral. No momento em que se encontravam diante da badalada trupe teatral formada por alunos e atores profissionais que convidei a participar, ambos os grupos faziam do abraço com os irmãos um grande evento, aplaudido por todos.
Tivemos na prática uma celebração do ser humano.
A questão da família foi outro sub-tema imbricado no aproveitamento dos estudantes diante de todo debate promovido. A ludicidade do palhaço e a autonomia deles serem os próprios protagonistas desse teatro itinerante pela escola transformaram as percepções dessas crianças.
A arte trouxe o primeiro grande impacto através do acalanto, da estética corporal e do bom exemplo para os demais que foram espectadores dessas outras turmas.
A partir da experiência tamanhamente emotiva e sensível, criei uma poesia que pudesse representar os eventos humanos que ocorreram durante nossa caminhada por toda escola. No texto procurei expressar fatos de inauguração de diálogo entre eles, mesmo que tenha sido não verbal, uma vez que na arte tratamos bastante do diálogo do olhar. Também cultivei em meu relato o cumprimento das regras que a própria caminhada artística se colocou aos estudantes, como a surpresa, o entusiasmo, o olho no olho e sobretudo a oferta de gestos do bem.
Laboratório expressivo saborear cada gesto, cada olhar, cada ato tímido ou oferecido, permitido e particular...
Do acolhimento à repulsa, do querer travado à pessoa avulsa, dos travamentos aos tatos inesperados, os opostos ficaram a mostra nesses personagens efêmeros das classes.
Esses tipos andantes com destinos rigorosos, (sejam os professores profetas a caminho de seus destinos ou dos alunos desavisados, advertidos, estigmatizados) desesperados e muitos com cabrestos, estão sufocadamente atrasados, preocupados e me incluo nessa massa quando a burocracia se equilibra paralelamente a minha arte, à nossa arte; ai ela perde o fôlego, isso é sentido. Mas está mais que proibido deixá-la perder o ar. Nosso brincar de ser feliz é coisa séria e assim a aula é um suspirar!
Fomos provocando, sorrindo, indo e voltando! Chegamos ao que desejávamos, a bolha foi rompida!
“Abraço Grátis” pode ser um trocado, um punhado, apanhado, achado capital humano, nesse mundo capitalista rotativo.
O gesto repetitivo não foi em momento algum o mesmo!
Repetir daqui pra frente, será: Pedir de novo que as ilhas particulares que passeiam pelos corredores, (antes dores, dores, dores), se conectem com o ritmo cardíaco de uma outra ilha.
As “batidas-tato-peitoral” são mágicas de senso humano em demasia. um peito que se aproxima de outro peito para dizer bom dia.
Assim somos melhores, somos alunos geniais, somos arquipélagos relacionais.
Do mesmo modo pedi para que os estudantes relatassem suas ações para que além da prática a arte possa aguçar a consciência de alunos leitores e escritores; nesse caso foram pesquisadores teatrais mirins lendo as narrativas gestuais do corpo, também se transformaram em escritores nesse primeiro capitulo das aulas inusitadas, das muitas que ainda escreveremos juntos.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
A ação dos professores nem sempre vai alcançar lugares e não-lugares habitados pelas ausências; mas ao menos no curto espaço de tempo em que o estudante fica na escola ele precisa levar de lá parâmetros que mesmo que divirjam dos de sua realidade, ele possa conseguir refletir a distinção pela linha tênue que separa uma vivência humana saudável da deformação cidadã.
Se o tempo assim permitir e a impermeabilidade do sentimento deixar vazar essas experiências de afeto construídas na escola, através da arte, esses estudantes poderão construir algo capaz de ser um propagador da paz.
Mas sozinhos eles não irão conseguir, ninguém conseguiria; o ser humano é um ser de relações, fruto do meio em que vive e só pode caminhar pelo bem, se for instrumentalizado para isso.
Estou disposto de continuar a ser instrumento desse lugar interno, dessa experiência do encontro consigo mesmo, pois a arte educa, sensibiliza, faz ouvir, perceber e criar rizomas para toda a vida.
Que eu permaneça com minhas inconformidades pois elas trazem minhas ações, as idéias surgem para sanar ou mediar situações.
O educador pode ser um diferencial na relação do catalisador de sentimentos que é o aluno; nele, indivíduo em formação psicológica, social, física; estão todas as marcas que outras pessoas deixaram ao longo de sua vida.
Se o aluno chega à margem da sociedade é por que muitas pessoas o colocaram dia a dia longe desse epicentro social; a cada detalhe, a cada ação desmedida, a cada falta de ação ou indução pelo exemplo, esse jovem foi distanciado ao longo do tempo dos parâmetros saudáveis de convivência, de civilidade.
Não são apenas das grandes agressões que se cria um delinqüente; os fatos, por menores que pareçam ser, se somam e constroem através da desconstrução; assim muitas personalidades são formadas, se é que essa é a melhor palavra para se empregar nesse contexto.
Desde um olhar carrancudo, de um grito que fere, uma palavra mal dita ou uma exposição desnecessária, são todas ações que corroboram para aquilo que eles já carecem dentro de suas famílias.
A família é a instituição mais adoentada nesse início de século.
Do mesmo modo, ou até mais grave, a ausência também fere em qualquer esfera social, principalmente na área da Educação; o afastamento, a intolerância, o desprezo, a falta de dizer: "bom dia!!!", a falta de um sorriso; ferem gradualmente essas crianças, embora elas não se manifestem cobrando essas atitudes (até por que não podem cobrar o que não conhecem) mas certamente cobrarão da forma mais transviada possível; desafiando, se fazendo valer (mesmo que de formas negativas) como quem dissessem: "Olha eu aqui!!! Eu existo e quero alguém para se comunicar comigo" evidente que comunicação se estabelece em outros níveis de compreensão da mesma, até por que a violência sempre será o "descomunicar" mas não se pode tratar essa máxima como um dogma; pois o ato de violência comunica muitas mensagens subliminares de seu autor.
Nesses meus primeiros dias na escola, me preocupei em conhecer a garotada, as crianças oprimidas pelos líderes e os opressores mirins que lideram os grupos; busquei conhecer também os espaços, a rotina, as metodologias e os comportamentos para que eu possa pensar de forma estratégica possibilidades para contribuir com o trabalho da equipe escolar.
À mim não bastava elaborar um diagnóstico disciplinar/pedagógico somente pela observação, nessas primeiras manhãs na companhia dos meus novos alunos já estive presente na entrada do turno, nos recreios, nas conversas entre eles e até nas brigas, tentando conversar, estabelecer diálogo. Brinquei no playground, joguei bola com alguns e conversei com muitos.
Como toda criança e adolescente desses tempos, todos eles são facilmente seduzidos pela internet, pela tecnologia, pelo que é digital; mas ainda não vêem, por exemplo, a internet como um recurso para aprender, entendem essa ferramenta apenas como uso para jogos.
Para início de ação recorri aos meus recusos didáticos teatrais para envolve-los nas aulas de artes, para que o aprendizado seja de fato significativo.
Professor Tiago Ortaet
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(Livro do Professor de Tiago Ortaet * Ainda em construção)
Arte/Educação Social – garantindo acesso e desenvolvimento à educação e cultura
Sou um jovem professor de Artes que há sete anos vivencio experiências docêntes/discentes que me fazem rever meus conceitos com frequência, além de experimentar detalhes que fazem toda a diferença.
Sempre tive o privilégio de exercer minha docência dentro e fora de sala de aula com facilidade, naturalidade, pelo meu jeito descontraído de ser e principalmente pela minha aliança com o teatro para educar; mas eu estava prestes a encontrar o maior desafio desses sete anos de magistério.
Tenho uma relevante passagem profissional numa importante instituição de proteção a Criança e ao Adolescente e experiências com visitas domiciliares de famílias vitimizadas encaminhadas pelos Conselhos Tutelares. Através desse meu olhar diante dos descasos familiares com crianças lancei um projeto de teatro voltado para a valorização do indivíduo e mediação de conflitos.
Minha recente chegada a uma das escolas mais violentas de São Paulo me causou angustias e turbinou ainda mais meus anseios artísticos por uma arte libertária. Muitos colegas já haviam me dito de uma espécie de “insalubridade” ao se trabalhar naquela comunidade, mas decidi mesmo assim, como quem cumpri uma missão, escolher na escola para me efetivar.
Trata-se da Escola Municipal de Educação Fundamental Frei Antonio de Sant`Anna Galvão, no bairro Cabuçú, Zona Norte de São Paulo.
A primeira impressão das turmas foi um turbilhão de possibilidades; pois me vieram à mente muitas atuações positivas frente às situações bastante delicadas.
Há muita agressão, desrespeito, as crianças são invasivas umas com as outras. Não é posso permitir que esse comportamento seja normal, não deve ser considerado comum, pois está além das rotineiras desavenças entre crianças.
A transgressão é natureza do adolescer, mas nesses casos estão imbricados nas dificultosas relações, estigmas, exposições contrárias, negativas, afrontas e até patologias.
Eu estava disposto a ter, além de todas minhas referências bibliográficas, também o ECA como minha bíblia de toda fé na educação; para enaltecer e oferecer a essas crianças experiências e encontros com as mais diferentes culturas e a descobertas da identidade cultural através das artes.
Imbuído do mais nobre dos sentimentos, o amor pelo que faço seria o motor para através do ECA ensiná-los tanto a garantia de seus direitos como civilizar seus deveres.
Até sabia que o trabalho necessitaria ser grande, suado, exaustivo; mas quando adentrei as salas de aulas daquela escola pela primeira vez senti que desafio ainda maior, mas seria também do tamanho do meu desejo de ser útil na vida deles. As dificuldades na educação me movem para esses caminhos. Não fui enganado, sabia do teor de violência da unidade escolar quando aceitei o desafio.
Os dias foram se passando e percebia que sempre estava entre o sucesso e o fracasso pedagógico e isso por me incomodar deveras, me instigou a iniciar a escrita de um livro que titulei de “EDUCAÇÃO RESGATE” pelo caráter iluminador de minhas ações.
Soa contraditório um espaço de ensino que leva o nome de Frei Galvão, um homem de paz, como patrono, ter um índice de violência tão grande.
A violência é um fenômeno social que faz parte de um ciclo e aos poucos pretendo quebrar esse ciclo com afeto.
As perspectivas do bairro são pequenas, as oportunidades para essas famílias são escassas e em muitos casos se quer existem. As crianças são vitimas da sociedade, das faltas de políticas publicas eficazes e freqüentemente também são vítimas de suas próprias famílias pelo descaso.
Essas crianças em formação (em sua maioria), vivenciam uma deformação de conduta em tempo integral nos espaços da comunidade e pelos casos de agressão que acontecem com dentro da própria escola, eles se habituam ao que é errado, eles convivem com muitas ausências e no espaço que a fé, o respeito, a educação não entram, males que irão ferir sua cidadania para sempre podem ocupar esses espaços. É uma inversão de valores. Há um esforço por parte da escola em oferecer o que a família deixou de lado, como regras e limites, mas evidente que essa tarefa não é mesmo fácil.
A gentileza causa estranhamento entre eles, a cordialidade é o inusitado; pois ninguém pode dar o que não recebe.
A sensação que me dá é que a lei do mais forte é sempre cobrada dessas criaturas, que pela idade, deveriam ser delicadas, sensíveis e protegidas pelos adultos.
Daí fica fácil entender a agressão gratuita, a ofensa da moralidade do outro, o benefício próprio em detrimento dos demais, uma vez que através da força que eles se garantem, se sobressaem e buscam uma identidade; mais uma vez reflito: inversão de valores.
A arte pode interferir positivamente nesse caótico ciclo pelo seu caráter de humanizar as relações e os olhares. E de fato interferiu numa das primeiras ações teatrais que proporcionei na escola.
“INTERVENÇÃO ARTÍSTICA - BLITZ DA HUMANIDADE” refletindo o ECA.
RELATÓRIO DA PERFORMANCE TEATRAL COM ESTUDANTES DA EMEF FREI ANTONIO DE SANTANA GALVÃO EM PARCERIA COM A TRUPE ORTAÉTICA DE TEATRO COMUNITÁRIO PROMOVIDA PELO PROFESSOR TIAGO (ARTES)
Embasado nos quatro pilares da educação, aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conhecer e aprender a conviver defendidos pela UNESCO; a performance teatral “BLITZ DA HUMANIDADE” tem como seu mote principal romper (mesmo que temporariamente) com hábitos e ethos (Pierri Bourdieu) que possam distanciar essas crianças de sua cidadania.
Temporariamente por que somente através da insistência é que a mudança aparecerá, gradativamente, mas de forma consistente. Porém um suspiro poético ao meio de tanta violência juvenil já é uma conquista inenarrável. Concebo cidadania na Educação como o estudante que reflete sua prática e ao passo que estão planejando ações educativas com a arte teatral, ao mesmo tempo que estudam as técnicas do improviso e posteriormente redigem um relato sobre a experiência vivenciada, esses estudantes estão exercendo sua postura cidadã.
Após diagnóstico Pedagógico/Disciplinar que compus mediante meus primeiros encontros com essas crianças, planejei uma série de ações que intervissem no cotidiano, muitas vezes mutilado pela vulnerabilidade social ou pelo descaso diário, que eles vivem.
O lema dessa primeira performance coletiva foi o AFETO através de outras palavras debatidas em sala de aula como: gentileza, cordialidade, respeito, educação, compromisso e impacto positivo. Todos os estudantes do período da manhã se surpreenderam com as ações e esse choque cultural certamente traz a tona valores humanos que a arte é capaz de fazer penetrar no sentimento das pessoas de forma poderosa.
“Educar para a vida” esse conceito está relacionado com os temas transversais que surgiram através das falas dos próprios estudantes, pois em nossas “invasões com concessões” que fizemos em cada uma das turmas, houveram encontros e reencontros de demonstração de carinho entre irmãos que antes não se olhavam, não se abraçavam, pois só viam caminhos para a agressão, para o desrespeito e para a ofensa moral. No momento em que se encontravam diante da badalada trupe teatral formada por alunos e atores profissionais que convidei a participar, ambos os grupos faziam do abraço com os irmãos um grande evento, aplaudido por todos.
Tivemos na prática uma celebração do ser humano.
A questão da família foi outro sub-tema imbricado no aproveitamento dos estudantes diante de todo debate promovido. A ludicidade do palhaço e a autonomia deles serem os próprios protagonistas desse teatro itinerante pela escola transformaram as percepções dessas crianças.
A arte trouxe o primeiro grande impacto através do acalanto, da estética corporal e do bom exemplo para os demais que foram espectadores dessas outras turmas.
A partir da experiência tamanhamente emotiva e sensível, criei uma poesia que pudesse representar os eventos humanos que ocorreram durante nossa caminhada por toda escola. No texto procurei expressar fatos de inauguração de diálogo entre eles, mesmo que tenha sido não verbal, uma vez que na arte tratamos bastante do diálogo do olhar. Também cultivei em meu relato o cumprimento das regras que a própria caminhada artística se colocou aos estudantes, como a surpresa, o entusiasmo, o olho no olho e sobretudo a oferta de gestos do bem.
POESIA DE AULA - AULA DE POESIA - CORPO COMO O PRÓPRIO VERSO: Abraços Grátis num mundo capitalista
Laboratório expressivo saborear cada gesto, cada olhar, cada ato tímido ou oferecido, permitido e particular...
Do acolhimento à repulsa, do querer travado à pessoa avulsa, dos travamentos aos tatos inesperados, os opostos ficaram a mostra nesses personagens efêmeros das classes.
Esses tipos andantes com destinos rigorosos, (sejam os professores profetas a caminho de seus destinos ou dos alunos desavisados, advertidos, estigmatizados) desesperados e muitos com cabrestos, estão sufocadamente atrasados, preocupados e me incluo nessa massa quando a burocracia se equilibra paralelamente a minha arte, à nossa arte; ai ela perde o fôlego, isso é sentido. Mas está mais que proibido deixá-la perder o ar. Nosso brincar de ser feliz é coisa séria e assim a aula é um suspirar!
Fomos provocando, sorrindo, indo e voltando! Chegamos ao que desejávamos, a bolha foi rompida!
“Abraço Grátis” pode ser um trocado, um punhado, apanhado, achado capital humano, nesse mundo capitalista rotativo.
O gesto repetitivo não foi em momento algum o mesmo!
Repetir daqui pra frente, será: Pedir de novo que as ilhas particulares que passeiam pelos corredores, (antes dores, dores, dores), se conectem com o ritmo cardíaco de uma outra ilha.
As “batidas-tato-peitoral” são mágicas de senso humano em demasia. um peito que se aproxima de outro peito para dizer bom dia.
Assim somos melhores, somos alunos geniais, somos arquipélagos relacionais.
Do mesmo modo pedi para que os estudantes relatassem suas ações para que além da prática a arte possa aguçar a consciência de alunos leitores e escritores; nesse caso foram pesquisadores teatrais mirins lendo as narrativas gestuais do corpo, também se transformaram em escritores nesse primeiro capitulo das aulas inusitadas, das muitas que ainda escreveremos juntos.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
A ação dos professores nem sempre vai alcançar lugares e não-lugares habitados pelas ausências; mas ao menos no curto espaço de tempo em que o estudante fica na escola ele precisa levar de lá parâmetros que mesmo que divirjam dos de sua realidade, ele possa conseguir refletir a distinção pela linha tênue que separa uma vivência humana saudável da deformação cidadã.
Se o tempo assim permitir e a impermeabilidade do sentimento deixar vazar essas experiências de afeto construídas na escola, através da arte, esses estudantes poderão construir algo capaz de ser um propagador da paz.
Mas sozinhos eles não irão conseguir, ninguém conseguiria; o ser humano é um ser de relações, fruto do meio em que vive e só pode caminhar pelo bem, se for instrumentalizado para isso.
Estou disposto de continuar a ser instrumento desse lugar interno, dessa experiência do encontro consigo mesmo, pois a arte educa, sensibiliza, faz ouvir, perceber e criar rizomas para toda a vida.
Que eu permaneça com minhas inconformidades pois elas trazem minhas ações, as idéias surgem para sanar ou mediar situações.
O educador pode ser um diferencial na relação do catalisador de sentimentos que é o aluno; nele, indivíduo em formação psicológica, social, física; estão todas as marcas que outras pessoas deixaram ao longo de sua vida.
Se o aluno chega à margem da sociedade é por que muitas pessoas o colocaram dia a dia longe desse epicentro social; a cada detalhe, a cada ação desmedida, a cada falta de ação ou indução pelo exemplo, esse jovem foi distanciado ao longo do tempo dos parâmetros saudáveis de convivência, de civilidade.
Não são apenas das grandes agressões que se cria um delinqüente; os fatos, por menores que pareçam ser, se somam e constroem através da desconstrução; assim muitas personalidades são formadas, se é que essa é a melhor palavra para se empregar nesse contexto.
Desde um olhar carrancudo, de um grito que fere, uma palavra mal dita ou uma exposição desnecessária, são todas ações que corroboram para aquilo que eles já carecem dentro de suas famílias.
A família é a instituição mais adoentada nesse início de século.
Do mesmo modo, ou até mais grave, a ausência também fere em qualquer esfera social, principalmente na área da Educação; o afastamento, a intolerância, o desprezo, a falta de dizer: "bom dia!!!", a falta de um sorriso; ferem gradualmente essas crianças, embora elas não se manifestem cobrando essas atitudes (até por que não podem cobrar o que não conhecem) mas certamente cobrarão da forma mais transviada possível; desafiando, se fazendo valer (mesmo que de formas negativas) como quem dissessem: "Olha eu aqui!!! Eu existo e quero alguém para se comunicar comigo" evidente que comunicação se estabelece em outros níveis de compreensão da mesma, até por que a violência sempre será o "descomunicar" mas não se pode tratar essa máxima como um dogma; pois o ato de violência comunica muitas mensagens subliminares de seu autor.
Nesses meus primeiros dias na escola, me preocupei em conhecer a garotada, as crianças oprimidas pelos líderes e os opressores mirins que lideram os grupos; busquei conhecer também os espaços, a rotina, as metodologias e os comportamentos para que eu possa pensar de forma estratégica possibilidades para contribuir com o trabalho da equipe escolar.
À mim não bastava elaborar um diagnóstico disciplinar/pedagógico somente pela observação, nessas primeiras manhãs na companhia dos meus novos alunos já estive presente na entrada do turno, nos recreios, nas conversas entre eles e até nas brigas, tentando conversar, estabelecer diálogo. Brinquei no playground, joguei bola com alguns e conversei com muitos.
Como toda criança e adolescente desses tempos, todos eles são facilmente seduzidos pela internet, pela tecnologia, pelo que é digital; mas ainda não vêem, por exemplo, a internet como um recurso para aprender, entendem essa ferramenta apenas como uso para jogos.
Para início de ação recorri aos meus recusos didáticos teatrais para envolve-los nas aulas de artes, para que o aprendizado seja de fato significativo.
Professor Tiago Ortaet
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