Novo artigo Tiago Ortaet: Mulheres refugiadas e a atenção humanitária em guerras invisibilizadas no Brasil

Mulheres refugiadas e a atenção humanitária em guerras invisibilizadas no Brasil

Num contexto de grandes conflitos armados e guerras civis pelo mundo, o Brasil tem se tornado cada dia mais, refúgio e esperança para famílias que desembarcam no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, contudo, há grandes conflitos locais capazes de adensar violações de direitos.

Por Tiago Ortaet, 24 de julho de 2022

Segundo o mais recente relatório do Ministério da Justiça, publicado em 21 de Junho, desde 1985 o país já reconheceu cerca de 60 mil pessoas refugiadas, a maioria delas (mais de 48 mil) provenientes da Venezuela, seguidas pelas nacionalidades: Síria, República Dominicana do Congo e Angola. Apenas em 2021, foram confirmados 3086 pedidos de reconhecimento da condição de refugiados no Brasil, dentre esses pedidos, mais de cinquenta por cento são de crianças e adolescentes, o que configura um desafio prioritário no acolhimento dessas mães e seus filhos, principalmente em seus direitos básicos, como inclusão educacional e acesso à saúde pública.

Nos últimos dois anos a cidade de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, que abriga o maior aeroporto da América do Sul, tem recebido famílias inteiras, refugiadas de conflitos armados, como no Afeganistão; por exemplo, que recentemente teve uma guerra civil instaurada a partir da tomada de poder pelo grupo terrorista Talebã, esse contingente tem impactado sobremaneira os serviços públicos locais, porém, tanto o poder público, quanto entidades filantrópicas tem se empenhado para realizar um acolhimento humanitário dessas pessoas.

Gislene Costa, psicóloga de formação e coordenadora do Posto Avançado de Atendimento Humanizado, localizado dentro do aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos, destaca que o serviço público, vinculado à Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, realiza uma triagem de cada uma dessas famílias e presta os primeiros atendimentos, encaminhando para abrigamento, alimentação adaptada, protocolos de saúde, inclusão de crianças no sistema de ensino público da cidade, solicitação de visto humanitário, dentre outras providências emergenciais para a garantia de direitos humanos dessa população. “Nossa equipe faz o primeiro atendimento aos migrantes, ainda na área restrita do aeroporto, acompanhada pela polícia federal, com foco nas múltiplas vulnerabilidades dessa população” explica Costa.  

Na cidade de Guarulhos foram inaugurados, nos últimos dois anos, quatro abrigamentos, separados por masculinos e femininos, ampliando a capacidade de atendimento para mais de mil pessoas. Portanto a cidade ainda não dispõe de abrigamento familiar, em que possa acolher pais, mães e filhos no mesmo espaço.

A parceria com entidades sociais é também um dos pilares de gestões públicas país adentro.

Laurent Reza Wildhaber, coordenador do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, destaca a amplitude do trabalho humanitário realizado pela entidade em três eixos principais: proteção, assistência e prevenção “temas parcerias com governos locais, sempre na promoção dos Direitos Humanos, desde o atendimento às pessoas privadas de liberdade, bem como amparo às famílias de pessoas desaparecidas, reabilitação física, saúde mental, dentre outras...”

Enquanto o senso comum invisibiliza temas importantes como o racismo, a xenofobia, o machismo e o preconceito religioso, líderes de diferentes setores sociais lutam pela supressão do preconceito e a garantia de direitos aos migrantes, refugiados e apátridas.

Doutora Dalila Figueiredo, advogada, assistente social e pedagoga, atualmente é presidente da Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e Juventude, entidade que atua há mais de 25 anos na cidade de Guarulhos, ela destaca a atuação no mês temático “Julho Azul” que consiste em combater o tráfico internacional de pessoas, bem como sua reflexão do cenário nacional de direitos humanos “Vivemos uma crise mundial, existe uma diáspora global em curso, o nosso país tem vocação acolhedora, porém falta uma política nacional que lidere uma acolhida mais ampla” destaca a ativista.

Doutora Dalila também revela bastidores de diferentes desafios no acolhimento de migrantes refugiados, numa das ocasiões, ela teve que abrigar uma família na própria instituição, em quartos adaptados, para vencer barreiras burocráticas. Ela conta que num abrigamento de uma família paquistanesa, reparou que a família não estava se alimentando adequadamente, pois rejeitava a alimentação da entidade “...certo dia sugeri que a família realizasse o preparo das refeições, desse modo a família passou a se alimentar com segurança, pois certamente temia por envenenamento. É compreensível, ainda mais se tratando de uma família que carrega os traumas de um estado de permanente conflito...” destaca Figueiredo.  

Diante de muitas segregações enfrentadas por essa população, os casos são ainda mais endêmicos, quando o recorte social recai sobre as mulheres pretas refugiadas.

Segundo relatório da Revista de Estudos Latinoamericanos de Estudos em Cultura e Sociedade, em edição especial de Maio de 2019, “numericamente, as mulheres não representam o maior quantitativo dentre as pessoas que se encontram em situação de refúgio, mas configuram como as vítimas que demandam necessariamente uma maior atenção diante da situação de vulnerabilidade pela qual se encontram.” Acrescenta a publicação científica.

Advindos, em muitos casos, de culturas tão machistas quanto a cultura brasileira, mulheres refugiadas são vítimas de casos de violências das mais diversas.

Claudia Lucena, psicóloga social e atualmente coordenadora de políticas educacionais para as relações étnico-raciais, de gênero, migrantes e de enfrentamento as violências contra crianças e adolescentes de Guarulhos “A escola tem sido também uma porta de entrada dessa população migrante. Temos o dever de incluir essas crianças, garantindo a todas elas, processo educacional efetivo. Tivemos um caso de uma migrante haitiana, que ela e seus filhos só falavam o idioma francês, mobilizamos toda equipe escolar para o acolhimento dessas crianças e ao final do ano letivo tivemos um emocionante relato da mãe das crianças, em que nos relatou sua satisfação com a trabalho pedagógico e que pela primeira vez ela se sentia muito bem acolhida” relembra a gestora.

Às vésperas do Dia Internacional da Mulher Negra LatinoAmericana e Caribenha, celebrado em 25 de julho, entidades de direitos humanos se voltam a reflexão prioritária dessa população, no que tange o combate aos mais variados preconceitos.

O Brasil vive um período de radicalismos políticos, extremismos religiosos, propagação de grupos neofascistas que pregam segregação racial, estigmas xenófobos e ignorância sobre diversos temas, não por acaso a negritude tem sido exterminada desde as favelas cariocas até os grandes centros urbanos do país, mais um reflexo da cultura escravagista e do racismo estrutural, sob os quais, a sociedade brasileira foi constituída.

A gestão municipal de Guarulhos integra há três anos, o Programa Migracidades, uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas – ACNUR, que prevê o aprimoramento das políticas migratórias locais e instituiu através de legislação municipal o Comitê Intersetorial de Políticas para Migrantes, Refugiados e Apátridas, com objetivo de ampliar a rede de atenção.

A visibilidade dessas temáticas em direitos humanos é uma urgente pauta para todas as áreas do conhecimento, inclusive a comunicação social, que tem papel importante na constituição democrática do país.

Migrar é um direito humano e a atenção primária à essa população deve ser um pacto social entre poder público, em todas as suas esferas, sociedade civil e movimentos sociais organizados para garantirem os direitos integrais da dignidade humana e o permanente combate às violações desses direitos.  

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