Reflexões sobre a vida e o amor na minha coluna semanal no jornal Guarulhos Hoje
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Se compararmos a vida com o mar há tempos que vivemos a
instabilidade de um mar revolto ou de um tsunami que nos carrega com uma
brutalidade sem tamanho e em outros tempos a vida se refaz na calmaria de uma
maré baixa. Não por acaso a água do mar é salgada como a lágrima.
Quando não somos mais capazes de ser o tripulante
responsável pela navegação de nossa vida, o timoneiro passa a ser quem
ensinamos pra isso, mesmo que esse ensinamento tenha sido pelas dores do
caminho, o amor plantado é o leme que conduz, uma espécie de porto seguro para
as turbulências onde ancoramos nossa embarcação.
Se tem algo que conforta e acolhe é sem dúvida se fazer
presente na vida de quem se ama. Mais do que qualquer outra coisa a presença fortalece
e aponta um porto seguro mesmo em estados de respirações ofegantes no cais da
vida.
Eu e meus irmãos estamos há mais de 100 dias vivendo entre
hospital, casa e trabalho, numa vigília permanente para o zelo de nossa mãe, numa
fé autoimune, que tenta combater realidades de seu estado de saúde que insistem
em nos deixar a deriva, entre o amor e desespero... Essa vigília coletiva de
filhos sob o corpo frágil da matriarca é para que ela tenha garantido todos os cuidados
e todos os esforços para minimizar o sofrimento da doença que corrói sua vida
dia a dia.
As dores dela doem diretamente em cada um de nós, o
desconforto dela, imóvel num leito de hospital, nos acelera, nos causa uma
inquietude sem limites, uma vontade de resolver o que nem sempre tem solução...
Pensamos nos pés inchados e depressa fazemos massagens, pensamos nas costas
cansadas e massageamos com hidratantes, pensamos no rosto abatido e nossas mãos
correm pelo rosto para passar o calor de nosso toque , pensamos nas unhas
opacas e pintamos com o vermelho latente típico dos dias de plena vivacidade,
da cor do amor que corre em nossas veias, pensamos no desconforto da secreção
que vem do pulmão e logo já pedimos auxilio da fisioterapeuta de plantão para
aspiração, nos esforçamos para evitar as dores, mas tem situações que não
conseguimos chegar, há um limite que as vezes nem os médicos conseguem
evitar... O ser humano é limitado, mas a fé não. Seguimos então pela fé.
Ela está totalmente acamada, não fala, mas nós falamos por
ela principalmente quando dizemos “eu estou aqui” por que sabemos muito bem que
ela diria o mesmo, como disse tantas vezes ao longo da vida. Levamos mensagens
de áudio dos netos e escorrem lágrimas de seus olhos, neles temos a certeza de
que ela entende tudo o que está acontecendo, sua consciência ainda está plena,
embora mesmo que a consciência dela não estivesse mais altiva a nossa está e
assim continuaremos fazendo por ela tudo o que pudermos até o ultimo segundo de
sua vida.
Não choramos na frente dela, numa tentativa de mostrar toda
nossa força, mesmo diante das nossas fraquezas... Seu corpo pesando apenas 40
kilos nos assusta, nos amedronta e nos mostra o quanto tem horas que a
esperança também tenta definhar, mas como já disse a fé não definha.
Pensando bem, o mar pode ser uma linda referência sobre a
nossa existência por aqui, mas ao contrário da vida, o mar não tem fim, ele não
se finda, não seca, não some, não passa, então ele é uma metáfora muito mais
apropriada para o amor, esse sim, ao contrário da vida, é infinito.
Tiago Ortaet
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