ESSE É UM DIÁRIO DE CLASSE!!! MAIS UM CONTO ESCOLAR - POÉTICA DOCENTE by Tiago Ortaet
DESTACO QUE ESTE TEXTO REFERE-SE A UMA BELÍSSIMA EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA, PEDAGÓGICA E SOCIAL DESENVOLVIDA PELO PROFESSOR TIAGO ORTAET (COM APOIO DA EQUIPE DE LÍDERES CULTURAIS DO GLEBA) NA EMEF FREI ANTONIO DE SANTANA GALVÃO.
Um evento de moda numa escola que até
anos atrás tinha como trilhos a caoticidade e inserida numa comunidade
extremamente violenta é a possibilidade de um recorte numa situação até então
desconhecida, uma costura de assuntos interdisciplinares frente a um tema
transversal e, sobretudo um experimento nas questões de égo, identidade e
alteridade.
Quando de repente ele identifica uma luz azul e diz: “Pronto já é
logo ali na frente, tá vendo aquela cruz lá em cima???” De fato, era uma cruz
iluminada daquelas tradicionais sob o topo das igrejas, enfim o coração nos
guiou ao nosso destino...
Descemos do carro e nos deparamos com
portas fechadas mais uma vez... Mas o garoto, não conformado, disse que atrás
da igreja havia uma ONG onde ele já frequentara e pediu que eu o conduzisse até
lá pra procurar a coordenadora afim de saber notícias do padre.
Fomos até lá, mas a senhora havia
acabado de sair, o segurança disse que não era dia do padre ir pra igreja e que
viéssemos no dia seguinte; mas nosso evento já seria na manhã seguinte.
Vi nos seus olhos a tristeza por não ter
conseguido o “detalhe mais importante” como eu já havia dito em sala de aula,
para nosso show de artes que estava por vir.
Quando voltávamos para o carro, vi uma
luz se acender na secretaria da igreja. Fomos até o portão e chamamos. O padre
Juarez da paróquia São Benedito abre a porta dizendo que nem era para ele estar
lá, somente fora buscar um objeto.
Logo o menino atravessou o início de
diálogo dizendo “Oi padre é que esse professor vai fazer um desfile lindo
amanhã e tem que ter um tapete vermelho...” O padre sorriu e antes que ele
dissesse algo, eu também intercedi explicando os propósitos do projeto.
O padre disse que poderíamos ir bem cedo
que no dia seguinte, antes do evento, que ele emprestaria o tapete que a igreja
usara para celebrar casamentos.
M as com um detalhe, o tapete era azul!!!
Então o azul nos trouxe mensagens nas entrelinhas desse casamento entre a arte
e a solidariedade.
O QUE PASSA E O QUE FICA
Moda significa “prazo de validade”, mas
no nosso caso, tenho a pretensão que seja um produto cultural, artístico,
pedagógico e sobretudo social que se renove sempre, uma moda permanente, a
mesma, mas renovada, experimentada, como ao meu ver, tem que ser na vida da
gente; uma rotina de reinvenção. Isso me faz até lembrar de palavras da escritorapoetiza
Clarice Lispector, mas a poesia que eu quero contar agora é a da narrativa do
olhar, dos olhares, até mesmo daqueles que não veem com a lógica natural das
coisas...
Durante as várias semanas de pesquisas
sobre moda e arte em sala de aula, dos exercícios teóricos aos práticos, sempre
inseria tópicos do evento que culminaria o ciclo de estudos e causaria um
“START” em toda escola. Num desses dias falei que para confecção de nossa
passarela, usaríamos um excelente improviso, que eu já havia testado em outras
ocasiões e comprovadamente dá certo. Citei também que acima da passarela tinha
que ter um tapete vermelho, para dar um status de solenidade, de especialidade,
enfim para esse detalhe tão suntuoso pudesse se aliar a tantos outros que
estava planejando.
Durante semanas, era questionado todos
os dias se já havia conseguido o tal tapete, tanto pelos alunos, quanto pelos
professores; embora eu não e estivesse tendo sorte nem persuasão suficiente
para convencer os líderes das igrejas a me emprestar por apenas um dia; eu
sempre afirmava categoricamente: “Não se preocupem, eu garanto que vou
conseguir!!!”
Cheguei a ir nas comunidades aos
sábados, mas nenhuma se sensibilizou com a história ou de fato não tinham o
objeto para emprestar.
Chegou a véspera do tão aguardado dia
dos desfiles; dia de levar os alunos para prova das roupas doadas por empresas
que consegui para patrocinar o evento, dia de montar e estruturar todo cenário,
passarela, camarins, tudo dentro da simplicidade de uma escola publica, mas com
uma estética, talvez nunca antes vista naquele lugar. Um dia repleto!
Minha convicção do empréstimo do tal
tapete começou a perder força; mas não admitia desistir...
Já passavam das 18 horas, a tarde se
esvaia e o menino Iago me garantiu “Professor pode ter certeza que eu vou
conseguir esse tapete pro nosso desfile” fui tocado pelo compromisso que
envolvera o aluno.
Mas disse a ele que naquele momento, já
não tínhamos mais a possibilidade de carona da professora, pois a mesma já
havia ido embora e que eu já tinha tentado em todas as igrejas do bairro e
nenhuma resposta positiva. Mas ao mesmo tempo em que eu tentava acreditar que teríamos de realizar o evento
sem o conceito estético do tal tapete vermelho, algo dentro de mim pedia para
insistir mais um pouco.
Foi ai que a Professora Arlete se dispôs
a ir numa igreja do bairro vizinho na qual ainda eu não tinha visitado;
chegando lá, encontramos a mesma de portas fechadas, mas uma vizinha da
paróquia indicou uma outra bem distante dali.
Nesse momento o menino Iago disse “É
nessa igreja que eu frequento pra fazer atividades 2 vezes por semana e é lá
que vamos conseguir” cogitei a ideia de irmos e a professora topou.
“Eu explico o caminho!!!” disse o garoto
ainda mais eufórico como se já previsse que conseguiríamos...
Seria simples e direto, se o menino não
fosse deficiente visual (com cerca de 5% de visão)
A professora olhou pra mim, com um olhar
de dúvida, mas afirmei nossa ida, afinal tínhamos de arriscar.
Entramos em muitas ruas erradas, ele ia
com o vidro aberto pra tentar identificar o caminho que ele fazia durante as
tardes, penso eu através de cores e vultos que conseguia identificar.
O menino com todo seu esforço, bermuda,
uma blusa muito fina, olhos arregalados e uma tremedeira intensa causada pelos
7 graus que fazia naquela noite congelante em São Paulo; sussurrava “vai dar
certo, vai dar certo...”
Mesmo que não encontrássemos a tal
comunidade, já teria valido a pena pela dedicação que ele demonstrou, como quem
agradece todo o empenho e esforço que eu tive ao longo de quase 2 meses para
planejar o evento.
Após indicar dezenas de ruas erradas,
vai e volta, vira e desvira; o menino dizia “Eu não to conseguindo identificar
muito bem por que já é de noite e fica tudo escuro...”
“Não tem problema Iago, nós
entendemos!!!” dissemos a ele.
Na volta pra escola, o garoto disse
“Agora sim estou com frio”
A tensão que ele depositou nessa missão
de conquistar esse “detalhe importante” o vestiu de sensibilidade e não há frio
do mundo capaz de esfriar o calor da alma.
Assim que chegamos de volta,
imediatamente busquei blusas minhas e ele se protegeu melhor até chegar em casa
na companhia do seu irmão mais velho foi buscá-lo.
Tiago Ortaet
27 de Setembro de 2012
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