AS HISTÓRIAS QUE NASCEM DA ESCOLA DA VIDA - Professor Tiago Ortaet

A parceria das minhas aulas de ARTE entre GLEBA & FREI GALVÃO renderam muitos frutos positivos; desde exposições de desenhos de alunos do Gleba no evento do Frei, monitoria e apresentações artísticas dos alunos do Gleba na semana de moda do FREI, enfim muitas foram as trocas simbólicas; mas tem histórias de bastidores das artes que MERECEM ser contadas: Eis uma que virou conto...


UM MINUTO PRA VIDA INTEIRA

Feliz e eufórico por estar muito próximo de conseguir viabilizar um dia alheio e tão cheio de cores na vida sofrida, intensamente “preto e branco” desses  meninos e meninas; havia eu de escolher os personagens para serem vestidos por aquela loja. O senso comum me fez pensar em vários jovens e crianças de nossa escola, muito bonitos, cheios de estilo, mesmo na simplicidade de suas vidas; é fácil encontrar um rosto bonito ou o que o padrão da sociedade nos impõe como padrão de beleza.
 

Foi aí que pensei de subverter essa ordem, pois nosso desfile de moda não é a favor de padrões; pensei então em alguém que tenha um histórico bastante hostilizado na escola, alguma criança que frequentemente é motivo de piadas maldosas por quem não aprendeu a respeitar o ser humano. Logo veio em minha mente a Paola da quarta série.
 

A Paola é uma criança bastante sofrida, que pertence a uma família desestruturada e nitidamente percebe-se que ela possui um comprometimento intelectual. Nota-se também o quanto ela é ridicularizada pelos colegas, sofre constantes agressões e constrangimentos. Tinha de ser ela, pois talvez aquele fosse um momento que ela estaria fora da “bolha” a qual pertence.

No dia da prova das roupas, todos os alunos foram orientados de que a “personal stylist” da loja que comporia a combinação de vestes e “modelos” geralmente não escolhem as próprias peças para desfilar, que esse era o papel do profissional que nos atenderia.
 

Chegando à loja, a menina Paola logo viu um vestido com flores lilás e disse que “queria aquele” olhei para a atendente e expliquei discretamente em seu ouvido a condição de saúde da criança e logo a mesma autorizou que ela provasse aquele vestido. Não se tratava do mais belo vestido da loja, mas era o que mais agradou a menina, que dias antes me indagou: Professor eu vou desfilar com um vestido bem lindo???

Tinha que ser aquele vestido; a euforia e entusiasmo da Jéssica nem a permitiu experimentar outros tantos que lhe foram oferecidos pelas profissionais da loja, ela estava determinada e desfilar com aquele primeiro que havia visto e se identificado.

No dia seguinte, muita correria, muitos preparativos, improvisos e ansiedades; muitos detalhes e surpresas que tinham que dar certo... Diante de todo esse ciclo de afazeres, a profissional da loja que acompanhou todos os desfiles da escola me procurou e perguntou: -Professor aquela menina que ficou tão feliz com o vestido ontem lá na loja, não veio desfilar hoje???

Logo me lembrei da menina e a anunciei pelo microfone. Ela estava lá, tranquila, sentada na plateia, esperando alguém lhe avisar o momento que tinha de se vestir. Foi então que a garota foi para os camarins dizendo “Já é minha vez?!?!?”

Todos os alunos na passarela da escola me causaram alegria; por ter o prazer de vê-los em um momento tão raro em suas vidas, onde eles estavam sendo protagonistas de algo bom, jovens em destaque, sendo vistos e aplaudidos; mas com certeza, nenhum desfile me emocionaria mais do que a passagem da menina Jéssica.

Eis que chega o momento dela desfilar, toda linda, maquiada, com um belo vestido, mãos geladas e coração disparado.

Ao anunciar fiz um grande suspense; daqueles de surpreender as melhores plateias, disse entre outras coisas que aquela aluna que viria naquele momento merecia toda nossa empolgação, nossos olhares, pois é uma menina do bem...
 

O DJ aumentou o som, as luzes dos holofotes se acenderam, as máquinas de fumaça soltaram lindos efeitos especiais e eu ao microfone anunciei: - A linda JPaola vem ai!!!

Todos, absolutamente todos da plateia aplaudiam e gritavam muito ovacionando a menina que tremia com as mãos segurando as minhas. Já na ponta da passarela, muitos ficaram de pé e ao fundo gritos ensurdecedores de “Linda!!! Linda!!! Linda!!!”

Conseguimos fazer com que TODA uma escola aplaudisse alguém que é tamanhamente ofendida e humilhada no cotidiano escolar, pela sua condição social ou pela sua origem; essa conquista foi o maior presente desse evento.

Ela andava como quem flutua, uma imagem que não sai mais da mente dela, tampouco da minha!

Tiago Ortaet
27 de Setembro de 2012

OBS.: FORAM USADOS NOMES FICTÍCIOS PARA PRESERVAR A IDENTIDADE E O ANONIMATO DA CRIANÇA TEMA DO CONTO, BEM COMO DE DEMAIS CITADOS.

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