CARTA A TERESA EÇA (Presidente da APECV - Portugal)

À APECV


A/c de Professora Teresa Eça

Prezada Teresa, lhe escrevo para muito além de apenas lhe agradecer pelo honroso convite de expor meu trabalho na associação que preside, essas palavras são para registrar gratidão e apreço primeiramente pelo ser humano que eis, em seguida para lhe demonstrar minimamente a dimensão que essa experiência causou em mim.

Sou filho de migrantes nordestinos que foram tentar a vida na capital de São Paulo; muito pobres, meus pais não tiveram acesso aos estudos, aja vista a situação rural da época no interior do Brasil. Nasci em meio a muita pobreza, mas numa família de bastante dignidade e honestidade. Tive uma infância entre muitas ausências e presenças, como de fato hoje materializo poeticamente em minha exposição.

Desde muito jovem eu estava decidido a mudar a minha realidade social e só seria possível através de muito estudo. Foi ai que a arte arrebatou todas as minhas significações da vida, primeiramente com o teatro, ainda criança, posteriormente com as artes visuais.

Mais adiante em meu caminho Deus permitiu que eu fizesse uma leitura da minha vida como alguém que passa a ter a possibilidade de abrir os olhos, os ouvidos e os sentidos de outros seres humanos (como ritualmente ocorreu em minha performance de abertura da exposição) para que ousem mais em suas vidas, se permitam ir além do que lhes é aparente; pois bem, assim foi meu encontro germinal com a área da EDUCAÇÃO. Ensinar arte para mim é dar vazão a competências e habilidades adormecidas nas pessoas e apontar-lhes ferramentas para a vida, de forma poética, sensível.

Quando alguém poderia pensar que esse menino poderia ser convidado por alguém de vossa magnitude profissional e grandeza histórica para expor numa associação renomada na Europa de defesa as causas da arte e educação? Poucos poderiam pensar, mas eu estava dentre esses poucos, pois acreditar nas coisas é o primeiro fato para se tornar real. Participar de uma publicação de livro na Faculdade de Belas Artes, estar entre os comunicadores do Encontro Internacional levando o meu olhar sobre a arte/educação que construo com meus alunos não tem preço. Não cabe em mim deslumbramento por tudo isso, por que sou aquele menino disposto a aprender, eterno aprendiz. E como aprendi com seus posicionamentos e com as vivencias.

Viver todos esses dias fazendo morada na APECV em meio a livros, obras de arte, histórias, grandes profissionais, humanidades e intercâmbios de ideias, foi em mim uma catarse.

Não me refiro a essa catarse por qualquer que seja o status de artista ou de capital cultural, que essa minha estada em Portugal pudesse ter causado, não são estes os reais motivos, até por que minha obra e meu jeito de ser desconstroem isso; pois prezo por relações horizontais onde todos, sem distinção de cargo ou origem contribuam para um diálogo existencial da vida; refiro-me sim a um ciclo de afetamentos que vivenciei convosco que reafirma esse meu pensamento de uma possível troca de experiências alheia a hierarquização.

Fui extremamente respeitado e bem acolhido por todos de vossa associação, desde a Patrícia com sua atenção aos pequenos detalhes, por me apresentar a cidade; a Mila pela generosidade de me oportunizar a experiência de conhecer seu ateliê, ao Professor Adriano pelos jantares e conversas, enfim, todos, a cada um de vocês meu MUITO OBRIGADO; volto ao Brasil com as melhores impressões de vosso trabalho, de vossa mentalidade e de vosso povo.

Do mesmo modo espero ter contribuído com minhas ideias e objetos da exposição que como diz o Fabiano curador da mesma, todos eles pensam e pedem para dialogar com quem os veem.

A vida é constituída pelos contatos com as pessoas, ninguém evolui no isolamento, somos seres de relações, por essa constância peculiar da existência humana, digo que levo desse lugar muito mais do que vim buscar e deixo um pouco de mim.

Que Deus lhe permita ser cada dia mais esse instrumento de oportunidades, lhe dê saúde e forças para continuar a propagar a arte/educação pelo mundo, pois a arte habita o mundo que somos. Mais uma vez obrigado e até breve!





Tiago Ortaet sobrevoando o oceano em regresso ao Brasil em reflexões sobre o mar de pensamentos que se mergulhou aos seis dias de Abril de 2012.



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