CURADORIA DA EXPOSIÇÃO DO PROFESSOR TIAGO ORTAET EM PORTUGAL 2012 - Caros alunos aí está o texto curatorial que comentei na aula de hoje

Sobre a vista do que não está: entre presença e ausência na obra de Tiago Ortaet

 Texto e curadoria: Fabiano Ramos Torres

        Todas as certezas desfeitas, a verdade devorada e, assim, uma primeira pergunta: onde está a arte? O seu corpo fará parte dela sem que você saiba ser peça de uma usina. Porque é dentro disso que se adentra: um território incandescente, usina onde explodem coisas, pedaços em chamas que vão se fundir a outros.

         Um mergulho no pântano primitivo da vida: trata-se do processo, das coisas porvir mas que estão sendo gestadas entre ausência e permanência, um terceiro lugar, o lugar da invenção, do que talvez não possa ser dito. Há processos, construções. Tudo fora do lugar, a torto, às avessas, o tempo fora do eixo. O mundo de pernas para o ar.    
          Não interessa a pintura, não interessa a escultura, o desenho, a peça. A pintura não dá mais conta – há muito que se aboliram as bordas, fizeram a cor saltar da tela, flutuar no espaço, uma cor intangível – O contato com vibrações esquecidas mas aqui, sempre presentes. O pensamento forçado pela pergunta: “ Onde está a arte...isto é arte?  o pensamento perde suas âncoras e é forçado a algo que mais que só pode estar nele mesmo. Cada proposição é um pensamento-invenção que não significa nada além de seu próprio campo de composição. 

Na “caixa de lágrimas” o dispositivo de contenção – um lenço - repousa tão vivo quanto água-viva: quase inerte, questiona-se sua eficácia de artifício, a tentativa de suportar aquilo que trans-borda. O dispositivo perde sua função e passa a ser um corpo à deriva, à mercê de uma gota que no limite do transbordar dobra, contorce, redobra: pode ser a gota d’água. Diz o artista: “O excesso de algo é o grito pela falta de outro.”

O continente passa a ser contido. Conteúdo de uma inundação: finitude, falência desespero – mas no fundo -  no fundo do abismo, no fundo do poço – o dispositivo aprendeu o silêncio necessário para uma nova permanência: a descoberta de um novo lugar: “ Eu sou o lugar o lugar sou eu.” 

Aqui uma outra máquina tem lugar – poderia-se dizer uma máquina primitiva, um simples carimbo com a potência da replicância: a capacidade de reproduzir sua presença à medida que um corpo for capaz de permanecer. O ato, carimbar, então nos remete à pergunta de Espinoza: quanto pode um corpo? Mas essa nova e ao mesmo antiga máquina – um simples carimbo - também transborda: o corpo passa, mas a passagem do corpo não, o signo na terra, rastro, reticência, uma mordida na maça...o fruto passa, apodrece, mas a mordida não: ato que rasga, arranca, despedaça...uma mordida assinala presenças perecíveis, mas também ausências que duram uma eternidade. Páginas de um livro cuja leitura não findasse porque livro de páginas em branco, leitura e escrita infindáveis. Livro que ainda não se escreveu, livro que não se pensou, cuja existência se efetiva no seu folhear: se nada está, então tudo é possível? Livro que na ausência da letra impressa imprime em outro lugar tantas histórias e mitos: o que poderia ser ali escrito. E sem que se de conta disso, o livro está vivo.

São todas máquinas que funcionam e fazem funcionar – conectadas umas às outras: mar-terra-homem-água-planta-o detro da maça, o resto dela desfeito no dentro que está em mim. Como peças de uma máquina-artifício.

Mas eu que já não me contenho dentro da cavidade procuro fenda e rasgo, talho, exijo existir: romper a casca dura. Então, no esforço pelo fio de vida, os meus ossos se partem e de cada fragmento de osso partido nascerão outros tantos até que eu me perceba eu-ficção. Núcleo, centro de tudo ( abortado ) rebento estilhaçado. Tsunami que dá vasão, fluxo. Nucléolo, núcleo elo. 

Na aula de ciências o menino aprendeu os segredos da natureza. Ele aprendeu que os seres nascem, crescem, se reproduzem e morrem. Mas não obteve resposta alguma sobre a natureza da alma, sobre a vista daquilo que não está. Foi então que descobriu por outro caminho, a arte: no lugar da terra, tinta, porque de tinta e cor também brotam as coisas.
 
Fabiano Ramos Torres é Professor titular de Filosofia no Governo do Estado de São Paulo, Brasil, mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo.  Tiago Ortaet é Professor Titular de Artes no Governo Estadual e Municipal de São Paulo, especialista em Linguagens da Arte pela Universidade de São Paulo é também fundador do Coletivo Trupe Ortaética.

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